segunda-feira, 20 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #9: ELA SALVOU A MINHA VIDA

PARTE 23 - OUTRA PESSOA
A situação era a seguinte: eu não aguentava mais me ver no espelho... Numa sexta-feira eu tinha o aniversário de uma das academias que eu trabalho. Então eu deveria sair da minha última aula de bike indoor, às 22h, ir para casa e tomar um banho rápido.
Eu fiz isso. Quando eu me olhei no espelho eu pensei... “Não dá mais”. Precisava mudar e comecei mudando por fora. Fui até meu quarto, peguei minha máquina de cortar cabelo que normalmente uso pra aparar a barba e comecei... Pra não me arrepender já passei uma primeira vez bem no meio da cabeça. Caíram todos. Parece bobagem sabe, mas senti que um pouco daquela energia negativa que eu estava carregando tinha saído junto com os cabelos. Como um Sansão reverso.
Bom, de fato fiquei diferente, já que na academia ninguém me reconheceu mesmo. Nem minha chefe que ao chamar os professores percebeu que eu estava ali. Acho que no fundo era isso que eu queria, passar despercebido. Sei lá, parecia que só de me olharem as pessoas poderiam identificar alguma coisa. Eu sei que não. Mas em tempos de confusão nada faz muito sentido.

Eu sei que a mudança vem de dentro, mas neste caso, tive que iniciar por fora.

PARTE 24 - A SALVADORA
O mais interessante é que logo após disso meus furúnculos começaram a desaparecer. Assim como também fiz minhas últimas nebulizações. As coisas estavam voltando aos eixos. Talvez tenha sido uma defesa que minha cabeça criou pra lidar com o problema.
Não quero que pareça que eu estava depressivo. Nunca estive. Isso até impressionava muito as pessoas no Posto de Saúde. “Você está lidando muito bem com isso né?”, me perguntavam. Nem precisei de psicólogo. Mas claro que tive momentos de fraqueza. Não tem como. Porém, eu tentava me manter positivo durante os outros momentos. Colocava uma música das Spice Girls e pensava, “vamos lá!!”. As aulas tinham que continuar. A vida tinha que continuar.
A grande ironia de tudo é que até minha sobrinha nascer eu sempre tive uma tendência suicida. Tenho uma marca no pulso esquerdo por isso. Depois que ela apareceu, essa tendência desapareceu por completo. Como um deboche da vida, eu também adquiri o HIV. Agora o que mais quero é viver. Por mim, pelos meus, por ela. Fico imaginando se ela não existisse nesse momento, provavelmente eu já teria me matado. Costumo dizer que ela salvou a minha vida.

Últimos dias de nebulização e medicamento controlado. Infecção pulmonar vencida.

PARTE 25 - ABSTINÊNCIA
No momento que comecei a aceitar que era portador de um vírus. Que estava lutando para viver diariamente. O foco começou a ser outro. Passei a me abrir para mais amigos. A maioria muito receptivos, outros nem me deram muita atenção. Mas percebi que a cada desabafo eu me sentia menos mentiroso.
Eu sou o tipo de pessoa transparente. Não gosto de mentir e esconder minha sorologia, era mentir sobre quem eu era. O vírus estava em mim agora. Eu não sou o HIV, mas ele faz parte de mim. O quanto mais eu levar isso com naturalidade, mais as pessoas vão entender do que se trata. Nesse momento começou a nascer em mim a semente da militância. Nesse momento eu pensei que de repente tudo isso poderia virar uma missão. Não era para amanhã, ou para o próximo mês, mas algum momento.
Comecei a conversar muito com outros soros e da minha vontade de tomar isso como bandeira. A maioria me disse a mesma coisa: “não faça isso, ninguém precisa saber da sua intimidade”. Ou completavam dizendo que o preconceito seria muito grande.
Eu achava que me abrir poderia me deixar limpo. Muitas vezes eu me sentia sujo no meio das pessoas. Como se eu carregasse um veneno mortal e omitisse. Um amigo me falou: “bobagem, esses gays saem chupando qualquer um sem camisinha e não se preocupam com isso, não é você que tem que se sentir um lixo”. Não concordo com ele em diversos aspectos. Por isso eu decidi que só voltaria a ficar com alguém quando eu iniciasse meu tratamento de fato com os ARV’s* e minha Carga Viral ficasse indetectável**. Mas pra isso eu precisava saber de algo muito importante que estava chegando para mim.... Os resultados de meu CD4 e Carga Viral.

Continua...

* ARV’s - A terapia antirretroviral (TAR) é a terapia para tratamento e tentativa de eliminação, do organismo, de retrovírus. Contudo, basicamente essa nomenclatura é utilizada para descrever o tratamento contra o vírus da AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), o retrovírus mais famoso. Desta forma, o principal objetivo da terapia antirretroviral é, através da inibição da replicação viral, retardar a progressão da imunodeficiência e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa que vive com HIV ou AIDS. Via Portal Educação.
** Carga Viral Indetectável - Desde que os ARV’s sejam eficazes, nenhum vírus livre é detectável no sangue nem nas secreções genitais. Todos os dados epidemiológicos e biológicos indicam que a aplicação consistente de um TAR permite excluir todo risco importante de transmissão. Em caso de supressão total da carga viral, o risco residual de transmitir o HIV por via sexual sem preservativos é netamente inferior a 1 em 100.000. Se o risco residual não pode ser excluído do ponto de vista científico, a CFS e as organizações interessadas estimam não obstante que ele é desprezível. Via GIV-Grupo de Incentivo à Vida.

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