segunda-feira, 17 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #28: APRENDI COMO VIVER COM O HIV

PARTE 62 - CARA LIMPA
Depois de alguns dias no anonimato, eu finalmente decidi me identificar como o autor da página Confissões de um soropositivo. Assim, alterei algumas notas colocando meu nome e me identifiquei como o escritor na foto de capa da page.
Agora sim, não tem mais volta. Tudo seria muito diferente. Finalmente saí deste segundo armário que me consumia. Finalmente levei meu ativismo a um outro nível. Sem vergonha, sem me esconder... Sem tabus, sou eu de cara limpa.
Logo já estava falando em vídeo conferências e levando informação para todo mundo que estivesse disposto a escutar. A resposta foi surpreendente. O carinho que recebi foi uma alavanca para seguir com esse trabalho e seguir falando sobre o HIV. Sim, meu nome é Leonardo Villela Cezimbra, eu sou soropositivo, eu não tenho nada do que sentir vergonha. O HIV faz parte de mim agora e precisei transformar isso em algo positivo, sem trocadilhos.
Então eu pensei, se aquele menino do Grindr não sabia ainda de minha sorologia, agora ele sabe. Agora não é mais comigo, agora é com ele.
PARTE 63 - FIM?
Ao decorrer da semana, percebi que aquele rapaz estava curtindo minhas notas. Isso me deixou muito feliz por um lado. Desta vez eu tinha certeza que ele sabia sobre minha sorologia, mas achei que qualquer outra oportunidade teria morrido. Afinal, quem se relacionaria com alguém abertamente portador do HIV? Quem abraçaria essa luta? Quem enfrentaria o estigma?
Ele fez. Novamente em um belo sábado ele me convida para tomar um café. Desta vez não deixei escapar e já marquei o dia. Nos encontramos, tomamos um café, caminhamos e nos abraçamos. No dia 16 de maio nos encontramos novamente e nos beijamos pela primeira vez. Partiu de mim.
Quando cheguei em casa excluí todos aplicativos de “pegação” que eu tinha no celular. De fato, já tinha encontrado o que procurava. Acho que naquele momento eu descobri que tinha encontrado o amor. Finalmente.
Passei 34 anos sem saber o que é isso. Um amor genuíno. Cá estamos em um relacionamento sorodiscordante. Com cuidados, com respeito e companheirismo. Cá estou, firme no meu tratamento, com carga viral zerada e CD4 alto. Cá estou, feliz, amando e trabalhando. Dando sequência em tudo como antes. Vida que segue.
O HIV me ensinou muitas coisas. Entre elas aprendi que tenho que me permitir. Tenho que deixar sentir. Tenho que viver. Cada dia. Cada momento. Me abrindo para o mundo para que ele se abra para mim.
No fim deste texto não terá a palavra “fim”, nem mesmo “continua”. Vamos deixar esse espaço aberto. Sabe por quê? Minha luta ainda não terminou.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #27: TIVE MEDO DE TER PROBLEMAS NO TRABALHO

PARTE 60 - ENFIM... SERÁ?
Desde o início do ano que eu estava tentando manter contato com um menino que aparecia no meu Grindr. Não obtive muito sucesso. Então eu falava com ele, não dava em nada, ficava um tempo sem falar e tudo se repetia.
Eu reconheço que assustava o menino. Eu estava entrando no esquema que toma conta da vida sexual de quase todo gay solteiro com mais de trinta anos: aproveitar o momento. Além disso, minha condição sorológica costumava afastar um pouco as pessoas. Quando alguém chegava, era pra sexo casual. Não me passava mais na cabeça a possibilidade de ter um relacionamento sério.
Justamente por esse motivo eu costumava ir direto ao ponto quando conversava no Grindr. Era direto e muito sexual. Não sensual, sexual mesmo. Isso de certa forma intimidava muita gente. Foi o que aconteceu com esse menino.
Porém, um dia ele começou a me seguir no Instagram. Depois que postei uma foto vestindo um kilt, ele me mandou uma mensagem privada perguntando onde eu comprei. Ele queria comprar um. Eu respondi, é claro. Não demorou para trocarmos Facebook, mas é claro que eu, como de costume, passei do ponto e ele... Bom, ele novamente ficou arredio.
PARTE 61 - CONFISSÕES
Neste meio tempo eu decidi tomar uma decisão. Criei uma página no Facebook, anônima, chamada Confissões de um soropositivo. A primeira postagem foi feita dia 09 de abril de 2016.
Fui convidando alguns amigos íntimos para “curtir” a página. Muitos sabiam de minha sorologia, outros não. A verdade é que muita gente não percebeu que se tratava de minha história com o HIV. Então de certa forma ainda fiquei não identificado.
As primeiras postagens eram mais acessadas por membros de grupos fechados no Facebook com público portadores do vírus HIV ou doentes de AIDS. A intenção era aos poucos abrir isso para todo mundo, mas precisava ir aos poucos. Deixei colegas de trabalho por último. Confesso, tive medo de algumas reações. Quando se está nessa posição você pensa em tudo. Eu trabalho com fitness, promovo saúde. De repente um instrutor de hidroginástica e bike indoor portador do HIV pudesse me fazer perder alguns alunos, ou até mesmo perder meu emprego. Eu sei dos direitos trabalhistas de soropositivos*, mas temia estresses, sofrer discriminação e ser demitido por falsos motivos. Seria terrível também não ser mais considerado apto para executar a profissão que tanto amo e me dedico muito.
Mesmo assim, já não tinha mais tempo de desistência. O retorno dos leitores foi instantâneo e positivo. Consegui ajudar pessoas de todo o país, com informações, conversas, etc. Era o que eu queria. Tentar informar as pessoas sobre o que é ser portador do HIV, ajudar quem estava passando pelo mesmo e mostrar que qualquer um pode ser contaminado pelo vírus.
O próximo passo? Me identificar como autor.

Continua...

* Direitos trabalhistas de soropositivos - O portador de HIV não pode ser demitido devido à doença. Tem direito a transporte gratuito e a sacar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Mas duas décadas após a criação do Programa Nacional de DST e Aids, do Ministério da Saúde, fundamental na garantia dos benefícios, muitos ainda são vítimas de preconceito no trabalho e em outras atividades. Via DST-AIDS.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #26: NUNCA TIVE A INTENÇÃO DE FAZER NINGUÉM SOFRER

PARTE 58 - VÔ E VÓ
Meus avós tem mais de 70 anos. Os pais da minha mãe. Meu avô é tranquilo e sereno. Minha avó é agitada e sempre está trabalhando em algo. Ela faz bem o estilo matriarca da família. Talvez por isso seja uma pessoa muito preocupada com todos nós. A última vez que tive uma gripe minha avó ligava a todo o momento para saber como eu estava... ela é assim com todos nós.
Agora, imaginem ela saber que seu primeiro neto é portador de HIV. Para mim, e não só para mim, era mais do que ela poderia suportar. Eu pensava que expor minha sorologia para eles, era desnecessário e causaria dores de cabeça sem sentido. Afinal, no que mudaria em meu tratamento meus avós saberem de minha sorologia. Teria necessidade de trazer essa preocupação para eles?
Mas com o andar dos acontecimentos eu mudei minha linha de raciocínio. Passei a pensar: “não seria melhor eles saberem por mim, do que por outra pessoa?”. Enquanto meus avós não soubessem de minha sorologia eu jamais poderia abrir sobre ela como estou fazendo. Jamais poderia ajudar outras pessoas. Jamais poderia passar para um novo estágio de militância.
PARTE 59 - PRECISAMOS CONVERSAR
Eu já tinha conversado com meus irmãos sobre isso. Em algum momento eu teria que tornar minha sorologia pública, mas não tinha conversado com meus pais. Primeiramente chamei minha mãe. Nada mais justo, já que se tratava de seus pais. A princípio ela achou desnecessário. Mas entendeu meus argumentos. Eu precisava ajudar outros... Enquanto eu não tratasse o HIV com naturalidade como poderia querer que me tratassem assim? Era no mínimo incoerente. Como querer problematizar um assunto tão delicado se eu mesmo o deixo em segredo e cheio de tabu.
Era hora da pupa se transformar em uma linda borboleta. Era a hora de efetivamente abrir as portas deste segundo e ainda mais doloroso armário, não apenas para a comunidade LGBTTT, mas também para todos. Meu nome é Leonardo, sou soropositivo. Este sou eu. Sem dramas, sem mais ter o que esconder. Recebi o entendimento e apoio dos meus pais, como sempre.
Minha mãe apenas pediu para que ela mesma contasse para meus avós. Ela queria sentar tranquilamente, explicar minha situação, esclarecer sobre minha saúde, CD4 e Carga Viral. Mostrar que hoje posso ter uma vida normal e que vou seguir sendo o mesmo neto de sempre. Segundo minha mãe meu avô se manteve tranquilo, como bem imaginei. Minha avó, por sua vez ficou calada em estado de choque até eu ir embora. Provavelmente engasgada esperando ela ir embora para chorar.
Todo sábado visito meus avós. É tradicional. Na primeira visita após eu saber que eles descobriram sobre minha já não tão nova condição eu recebi um abraço e a frase: “nunca esquece que a vó te ama muito.”
Também te amo muito vó, também te amo muito vô.

Continua...

quarta-feira, 12 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #25: JÁ RECEBI OFENSAS ANÔNIMAS

PARTE 56 - TATUAGEM
Eu já vinha deixando pistas. Já vinha escrevendo muito sobre HIV/AIDS. Estava compartilhando vídeos, postagens, notícias sobre o vírus e muita informação. Muitas pessoas já percebiam por onde eu vinha. Outros ficaram em dúvida. Isso ficou claro quando eu abria sobre minha sorologia para outros. “Eu desconfiei”, me diziam. Claro que na comunidade LGBT isso não era mais segredo, acho que nunca foi. Muitos quando falavam comigo diziam, “capaz, nem imaginava”.... Mas depois eu descobria que eles já sabiam. Não queriam me constranger, suponho.
Eu cheguei a fazer uma tatuagem que indicava isso e passou despercebido. Eu explico. Em agosto de 2015 eu vi um vídeo da famosa YouTuber Jout Jout Prazer, chamado “Uma Aula”, no qual ela tem uma esclarecedora conversa com o soropositivo Gabriel. Com seu característico humor inteligente, ela fala tudo aquilo que sempre estamos tentando conscientizar, sobre a vida normal de um portador do HIV e sua possibilidade de um relacionamento amoroso/humano normal, como qualquer outra pessoa. Mas, dentro do vídeo, o rapaz mostrou uma tatuagem de uma ampulheta. Sua explicação é tão genial que eu só pensei: “como nunca pensei nisso antes”. Então eu dentre minhas 23 tatuagens, tive minha primeira inteiramente copiada. Mas acontece que a ideia era tão perfeitamente identificável comigo, como deve ser com tantos soropositivos, que não me senti um plagiador. Esse tipo de ideia tem que copiar mesmo.

Segundo Gabriel, quando ele vai fazer seus exames de rotina e tiver seu sangue retirado, o enfermeiro enxerga o desenho com as areias terminando, mas ele, olhando por outra perspectiva, vê com as areias apenas começando. Não é genial? Como não pensei nisso antes. Para não ficar completamente igual, fiz também uma ampulheta, mas no lugar a areia coloquei sangue.


Cada um vê a vida como sua realidade permite.

PARTE 57 - O ANÔNIMO
Ser soropositivo já estava sendo um ato de luta. Minha aceitação com minha sorologia estava me deixando muito seguro sobre mim e sobre falar naturalmente sobre isso. Tive mais certeza sobre isso quando recebi mensagens anônimas em meu perfil do Facebook no início de 2016. Nunca pensei que receberia tantas ofensas de uma única pessoa de uma só vez.
Numa noite de sábado, das quais eu frequentemente passava todo o tempo vendo filmes, recebi uma mensagem de um perfil falso. A primeira já ofendia minha condição sexual. Mas eu não procurei rebater as ofensas e me mantive calmo. Isso fez as ofensas partirem para um outro nível, ainda mais baixo. De repente eu li: “seu viado sujo, todo mundo sabe que você é podre e tem aids.”
Bom. Nesse momento eu fiquei tentando identificar quem poderia ter tanto ódio de mim pra chegar a nesse ponto. Um ex-namorado? Alguém da confusão durante a votação do PME? Quem teria tamanha falta de humanidade? Não sei. O que sei é que li absurdos, poderia citar alguns para podermos mensurar: “seu imundo criminoso que sai por aí passando aids pra todo mundo, deveria ser peso”, “quando tu morrer as pessoas não vão poder nem chegar no teu caixão para não se contaminar”, “não tem vergonha de ser uma bicha suja e doente?”, ou ainda, “tenho pena de você que vai morrer sofrendo, logo, logo”.
Eu deixei ele falar o que queria. Digo ele, pelo fato da pessoa ter se identificado como ele. Depois só respondi que eu mesmo falava sobre minha sorologia praticamente abertamente. Como não dei muito crédito, ele cansou e foi embora. Logo depois excluiu seu perfil. É bem provável que ele tenha feito um conta apenas para me ofender. Fico pensando o quanto isso poderia ter me machucado se eu não me aceitasse ou se fosse mais no início da descoberta de minha sorologia. As pessoas infelizmente passam dos limites.
Depois disso, precisava ter uma conversa decisiva com minha família.

Continua...

Obs.: existe uma lei que pune a discriminação com portadores do HIV e os doentes de aids. A lei 12.984, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, no dia 02 de junho de 2014. Conheça:
Art. 1o Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:
I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II - negar emprego ou trabalho;
III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI - recusar ou retardar atendimento de saúde.
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

terça-feira, 11 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #24: JÁ ME PEDIRAM DINHEIRO POR SEXO POR CONTA DO HIV

PARTE 54 - SÓ PAGANDO
É incrível quando você começa a ver tudo com uma ótica mais positiva, o mundo conspira a seu favor.
Enquanto eu ainda não tinha percebido e aceitado 100% minha condição sorológica, parecia que tudo andava em marcha ré. Falo isso em relação a casos amorosos. Antes de eu começar a ver que eu tinha um problema que podia ser remediado, que eu poderia seguir vivendo e que um dia as pessoas finalmente me veriam não apenas como um portador do HIV, tudo acontecia ao reverso.
Eu já tinha em meus aplicativos minha sorologia. Mas sempre tinha um desavisado que não tinha lido. Depois de alguns minutos de conversa a pessoa dizia: “vi aqui que você é soropositivo, não me leva a mal, mas não vai rolar, não é nada pessoal”. Parece difícil de acreditar, mas recebi essas desculpas de um estudante de medicina e um de enfermagem. Que irônico, não? Tirando pessoas que eu já tinha ficado anteriormente e foram bem claras: “Léo, eu adorava ficar contigo, mas assim não dá”.
Começou a virar um hábito receber não. Chegava a ficar meses sem dar um beijo. Isso quando alguém aceitava ficar comigo mas sem beijos.... Aceitavam ficar desde que ninguém soubesse.... Ou ainda teve quem disse que só ficaria comigo caso eu pagasse, devido aos “riscos que eles corriam”. Não foi só um. Isso tudo no fim me deixou muito abalado. Mas no decorrer do tempo, comecei a pensar de outra forma.
Percebi que se eu não começasse a me dar valor, ninguém daria. Eu seria o menino com HIV que todos tem medo. Até que junto desta nossa visão, deste crescente de amor próprio e de um basta a todas essas humilhações, começaram a aparecer pessoas que aceitaram minha sorologia. Não sou burro de pensar que todo mundo passou a me compreender, mas sim, percebi que na medida que fui me abrindo e perdendo o medo, e encarando tudo com mais otimismo, outras pessoas também o fizeram.
Me diverti.... Eu aproveitei. Foi importante para minha autoestima que estava destruída. Que eu achava que com pouco mais de 30 anos já tinha terminado com minha vida sexual. É importante se sentir desejado. Mas se você não achar que isso pode acontecer, com certeza não irá.
PARTE 55 - O ATIVISMO
No meio disso veio um momento muito importante. Foram dois convites. O primeiro foi fazer parte do Coletivo Frente de Lutas e o segundo participar efetivamente da organização da 10º Parada Internacional do Orgulho LGBT daqui da cidade.
Tudo aconteceu bem na virada de novembro de dezembro de 2015. Ou seja, estávamos chegando a mais um 1º de Dezembro. Foi um fim de ano de muito ativismo. Primeiro tive meu ensaio fotográfico anual com diversas fotos explorando a liberdade de expressão de gênero, com cabelo, cores, peças de roupas que quebravam um pouco aquela imagem totalmente masculina e fotos com uma enorme bandeira do arco-íris.
Também fiz minha foto anual para campanha contra HIV/AIDS. Neste ano, foquei na importância do uso de preservativo como prevenção, já que estudos mostraram que mesmo com o número geral de novos casos terem diminuído no mundo todo, o número de jovens gays se descobrindo soropositivos estaria aumentando. Achei que seria prudente falar sobre isso. Mas confesso, me senti um pouco frustrado com a repercussão. Infelizmente existe uma constatação. São poucos soropositivos que compartilham postagens relacionadas ao HIV por ter medo de que as pessoas desconfiem de sua sorologia, que na maioria das vezes é secreta. Para completar, são poucos não positivos que compartilham esse material. Eu precisava de mais voz. Eu precisava falar mais alto, precisava que isso chegasse em mais pessoas.
Campanha anual de 2015: #usecamisinha
Foi na 10º Parada Internacional do Orgulho LGBT que eu vi a perfeita oportunidade. Como fui um dos organizadores, aproveitei o momento para falar sobre HIV e sobre Identidade de Gênero, não apenas na festa pré-Parada, como também após o próprio evento, para mais de 6 mil pessoas. Foi um momento lindo. Distribui material para toda aquela gente, e falar em um microfone no palco esclarecendo e informando. Mas uma coisa me incomodou muito: o fato de não ter minha sorologia aberta. Falar sobre HIV/AIDS e esconder minha própria condição me soava hipócrita. Eu precisava abrir.
Outros organizadores da 10ª Parada Internacional do Orgulho LGBT e eu, falando para cerca de 6 mil pessoas.
Tive certeza disso quando participei com o Coletivo Frente de Lutas para manutenção da Identidade de Gênero em nosso Plano Municipal de Ensino (PME). Lutamos durante uma semana com manifestações na Câmara de Vereadores da cidade, especialmente com os setores mais reacionários. Evangélicos estavam em massa, em sua maioria sem nem saber o que estavam fazendo lá. Eles diziam: “o pastor me mandou vir”. Quando por alguns momentos ficávamos próximo o que aparecia era um show de ignorância e preconceito. Começando pela nossos vereadores, quase na íntegra. Meu depoimento foi lido pelo vereador Marcelo Lemos, o mesmo que foi lido durante a votação do PME da cidade de Porto Alegre, pelo vereador Carlos Henrique Casartelli. Perdemos. Lá em PoA e aqui em Uruguaiana. Mas a minha força militante e ativista cresceu.
Dias de luta.
O apoio de meus amigos e familiares me mostraram que estava na hora de eu aplicar essa energia e toda essa coragem para falar de HIV e AIDS. Porém, eu tinha um grande obstáculo pela frente.


Continua...

segunda-feira, 10 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #23: TENHO MUITO DO QUE AGRADECER AO HIV

PARTE 52 - PODADO
Eu sempre fui o tipo de pessoa que foi podada. Fui podado pelo meu pai. Fui podado por colegas de escola, por outros alunos do colégio. Fui podado pela sociedade. Nunca me enquadrei de fato no sistema que é considerado por muitos “normal”.
Desde muito novo eu já tinha fortes tendências homossexuais. Mesmo assim, eu era o tipo de pessoa que quando passava por um travesti de carro com meu pai, ele comentava: “esses viados tem todos que morrer”. A primeira vez que pintei meu cabelo foi um motivo para uma guerra dentro de casa.
Olhando para o passado, eu tive sorte de não ter conseguido cometer suicídio. Mesmo depois de ter tentado várias vezes e carregar no meu pulso uma discreta marca até hoje. Mesmo quase 20 anos depois. Bom, talvez se eu não tivesse feito terapia, graças a minha mãe e meus avós que perceberam que algo estava errado, provavelmente eu não estivesse aqui, contando essa história.
Entre 1996-98 eu era um dos quatro “viadinhos” do colégio. É estranho. Nem eu mesmo até certo ponto tinha sequer beijado outro menino. O que estava sendo um segredo para mim para os outros já estava escancarado. As portas do meu armário foram escancaradas pela força de quem me oprimia. Sequer me deram a oportunidade de entender o que estava acontecendo comigo.
Para todos, tudo o que eu desejava era errado. Tudo o que eu sentia era sujo. Tudo que eu fazia era motivo de chacota. Eu sempre fui podado.
PARTE 53 - OBRIGADO HIV
Foram longos anos e eu fui me transformando. Passei de um menino com claras tendências homossexuais e me tornei um jovem nerd discreto. Um cara que não aparenta. Um rapaz que pode ser gay, já que é “na dele”. Alguém que não sente de verdade e não se permite.
Uma coisa eu tenho que agradecer ao HIV. Ele me fez querer sentir novamente. Aos poucos o verdadeiro Léo voltou. Saiu do discreto casulo em que viveu por anos e anos.
Eu já vinha em um processo de liberação sexual e comportamental. Tatuagens e uma discreta militância pelos direitos LGBT’s. Mas quando recebi a notícia que em meu corpo tinha o vírus do HIV, tudo veio a tona.
Me permiti emoções, me permiti realmente sair do armário que por muito tinha voltado. Eu não podia mais ser podado, não podia deixar. Não sei quanto tempo eu realmente tenho. É uma caixa de surpresas. Tudo está muito certo mas eu sei que pode desandar. Mesmo pensando positivo e fazendo tudo para o sucesso do tratamento. Não é por acaso que estou aqui escrevendo e segundo a enfermeira do COAS meu tratamento é um dos de maior sucesso e adesão da cidade.
É a vontade de viver. Mas é a vontade de viver na íntegra. Se permitindo. Experimentando. Fazendo coisas que sempre quis fazer e não fazia por medo de aceitação. A possibilidade de partir logo me deu sede de sentir. De usufruir cada momento.
Entendi que a única aceitação que preciso é a minha comigo mesmo. Preciso aceitar minha condição sexual. Preciso aceitar minha sorologia. Preciso aceitar minhas possibilidades. Não preciso mais de aceitação dos outros. A vida pode ser ainda mais curta e não tenho mais tempo para isso.
Então o Léo aprendeu a dizer não. O Léo fez tatuagens em lugares que aparecem. O Léo colocou brincos. O Léo usou cabelo comprido. O Léo usa rosa, usa turbante e usa o que der vontade. O Léo levanta uma bandeira com as cores do arco-íris. O Léo pinta os cabelo com as mais diversas cores que der vontade. O Léo desconstrói e se liberta de amarras. O Léo voltou a ser novamente o Léo.
Não vou ser mais podado. Por isso, eu te agradeço HIV.

Continua...

domingo, 9 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #22: EU TENHO MEDO DE NÃO PASSAR DO INVERNO

PARTE 50 - O INVERNO
A morte de alguém próximo que também lutava contra o HIV mexeu muito comigo. Eu fiquei tão impressionado e com medo que fui conversar com uma amiga enfermeira. Ela me revelou que apesar do tratamento hoje ser uma maravilha e controlar o vírus na maioria dos casos, ainda assim, muitos pacientes morriam.
Aquele senhor pai de minha amiga não teria sido o único naquela semana inclusive. Segundo esta mesma enfermeira, só naquela semana, tivemos três óbitos devido a doenças oportunistas. Isso me pareceu um pouco assustador.
Eu fiquei com uma preocupação extra. Como eu trabalho numa piscina, na hidroginástica, eu tenho muita troca de temperaturas. O inverno estava começando e a outra professora de hidroginástica da academia me contou que teve pneumonia por esse motivo. Além disso, uma outra aluna que não costumava secar bem os cabelos também apresentou o mesmo quadro.
Por mais que eu esteja com uma ótima adesão ao tratamento, níveis altos de CD4, eu ainda assim corro o risco maior de adquirir um pneumonia bacteriana. Isso poderia me custar caro. Foi quando comecei a tomar algumas atitudes de prevenção, já que aqui em Uruguaiana chegamos a temperaturas negativas no inverno: sempre manter a roupa seca, sempre trocar as roupas do corpo quando estiverem úmidas e evitar sair na madrugada em festas e clubes.
Mas ainda tinha o principal que seria o mais difícil: parar de fumar.
PARTE 51 - ADEUS NICOTINA
Fui fumante por 10 anos. Fumava cerca de uma carteira de cigarro por dia. Bastante se for ver. Eu nunca dava a devida importância a isso pelo fato de eu fazer muita atividade física. Eu sabia que o ato de fumar para mim era reduzido pela metade. Eu pedalava, corria, fazia musculação, etc....
Depois do meu diagnóstico o médico foi bem claro, eu teria que parar de fumar. Eu tinha certo para mim que isso aconteceria em algum momento próximo. Mas pensem comigo, eu tive uma notícia terrível que mudou toda minha vida, tive que começar um tratamento que no início foi bem complicado, tive que readaptar minha alimentação e evitar bebidas. Algo eu tinha que continuar. O cigarro me ajudou a passar por esse momento. Quem fuma sabe que ele ajuda a relaxar, além de ser um momento de reflexão. É você e seu cigarro.... A cada tragada um pensamento.
Eu estava com a dieta a mil, onde consegui ficar com os 62kg que eu tanto queria. Pedalava duas horas diariamente. Foi então que apareceu uma lesão no meu quadril e tive que parar de pedalar. Quando isso aconteceu, eu comecei a assimilar que eu deveria largar o tabaco logo, afinal, não tinha mais o respaldo do exercício aeróbico para amenizar os efeitos do cigarro.
No dia 07 de junho de 2015, fui numa janta na antiga casa da minha irmã, junto de amigos que temos em comum. Minha pequena afilhada estava lá, claro. Cada vez que eu saia para fumar ele me acompanhava. Numa dessas saídas ela pegou seus dedinhos e fingiu estar fumando. Foi como tomar um soco no estômago. O que eu estava fazendo? Ela estava se espelhando em mim. Achou que era bonito fumar. Eu perguntei: “o que você está fazendo?”. “Estou fumando igual a você dindo Léo”, respondeu. Eu tentei argumentar, mas cada resposta dela vinha como um soco direto no meu estômago. Até que eu disse: “não, não é bonito fumar, esse é o último cigarro do dindo, nunca mais o dindo vai fumar novamente”.
Enquanto estava lá, não fumei mais. Tinha ainda quase um maço inteiro de cigarros. Terminei ele e nunca mais fumei novamente. Ela conseguiu o que muitos tentaram, eu realmente parei de fumar. Fiquei com minha consciência mais tranquila. Mais um ponto que ajudaria em minha saúde e a passar mais tranquilo pelo inverno.
Mas tenho que dizer. Por mais otimista que eu seja, por mais que eu saiba que faço tudo certinho e que me cuido muito para me manter saudável, todo início desta estação eu penso: “será que eu passo deste inverno?”

Continua...

quinta-feira, 6 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #21: É HORRÍVEL QUANDO ALGUÉM MORRE DEVIDO AO MESMO PROBLEMA QUE VOCÊ TEM

PARTE 49 - IMORTAL
Certo dia, próximo ao inverno de 2015, recebi uma mensagem de uma amiga. Uma amiga que há muito tempo não conversava, mas que eu tenho muita consideração e carinho. Eu não tinha ainda falado sobre minha sorologia para ela, mas eu sabia que ela conhecia minha verdade. Uruguaiana é uma cidade pequena.
Em sua mensagem dizia: “Léo, preciso de sua ajuda”. Bom, eu na hora pensei que pudesse ser algo relacionado ao HIV. Estava certo. Mas logo ela me esclareceu que o problema não era com ela. Me pedindo sigilo e muito preocupada, ela me revelou que seu pai se descobriu portador do vírus.
Ele, um senhor praticamente idoso, acabou recebendo essa informação após fazer uma bateria de exames. Minha amiga, assim como todos seus irmãos e mãe, estavam em choque. Ele teria contraído o vírus após uma relação extraconjugal desprotegida. Todos estavam perdidos, sem informação, com medo, sem conhecer outros soropositivos e sem saber o que fazer.
Ela estava particularmente muito abalada, já que via nele uma figura muito forte e tinham um relacionamento muito carinhoso. Ficamos horas conversando e isso se repetiu durante dias. Tentei acalmar ela e sua família com informação e explicando a importância da adesão ao tratamento. Mas ele, com toda sua idade e fragilidade, se deixou abalar demais pelo vírus.
Primeiro, ele descobriu muito tarde o que estava acontecendo. Após os resultados de seus exames, passou por uma depressão terrível, não conseguiu aderir ao tratamento e estava com o quadro de AIDS cada vez mais problemático. Eu me ofereci para ir conversar com ele e sua família, para tentar acalmar e verem que tudo pode dar certo. Minha amiga achou que poderia o deixar constrangido e ainda pior, já que ele não aceitava sua nova condição, quanto muito abrir ela para outros.
Uma madrugada, pouco tempo depois de tudo isso eu recebi uma mensagem: “Léo, meu pai faleceu hoje”. Eu fiquei arrasado. Senti como se eu tivesse falhado. Chorei por dias. Só pensava que poderia ter feito mais... Informado mais, ajudado mais.
Eu já sabia de casos de óbito por doenças oportunistas mas nunca tomei conhecimento de alguém próximo, de algum caso que afetasse a vida de alguém que eu gosto muito. Ele faleceu por ter o mesmo vírus que eu. Nesse momento eu lembrei, da pior forma, que o que tenho pode sim me matar. É terrível ver alguém tombar na mesma batalha que você luta, tendo o mesmo adversário.
Ele não era imortal. Eu também não sou.

Continua...

quarta-feira, 5 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #20: APRENDI QUE MINHA SOROLOGIA NÃO PODE DEFINIR MEU AMOR

PARTE 47 - BONITINHO MAS MENTIROSO
Existia um menino que tinha ficado solteiro fazia pouco tempo. Ele era ex-namorado de um ex-namorado que eu tive pouco tempo antes de saber minha sorologia. Esse rapaz é muito bonito e simpático. Pelo menos parecia olhando assim de longe. Quando ele se assumiu os gays da cidade ficaram todos loucos, ele ficou solteiro e vocês podem imaginar o que aconteceu.
Não sou o tipo que manda solicitações de amizade em redes sociais, ainda mais para um ex de um ex. Mas isso não quer dizer que não vá conversar caso eu seja o adicionado. Numa sexta-feira, quase meia noite eu recebi uma solicitação de amizade justamente deste rapaz. Logo que aceitei ele já foi me chamando. Achei engraçado pelo fato dele parecer querer falar muito comigo. Eu perguntei se o ex dele sabia que ele tinha me adicionado, mas ele foi muito claro ao dizer que não tinha que dar satisfação para ninguém.
Em menos de 15 minutos ele já estava me convidando para dar uma volta, para irmos até um bar conversar. Eu fui. Então, eu sabia que era impossível que ele não soubesse de minha sorologia e não soubesse que eu era ex de seu ex-namorado. Mas, segundo ele no decorrer do assunto, ele não sabia de nenhuma das duas coisas.
Sinceramente me pareceu mentira. Eu entendi o motivo do convite para aquele passeio. Não demorou muito para o assunto doenças venéreas surgir. Na verdade, para mim ficou muito claro: o menino queria saber se eu transava sem camisinha com seu ex ou se ele que teria me passado alguma doença.
Mesmo assim, percebendo toda aquela atuação eu fui bem didático. Expliquei muitas coisas das quais ele não sabia. Ele já achava que ia morrer. Já deduziu que tinha alguma doença. Eu sempre deixei claro que não sei como contraí o HIV, e reforcei isso para ele. Mas indiquei que ele fosse ao COAS, inclusive me ofereci para ir junto.
Segundo ele, na segunda-feira ele esteve lá, fez o exame e deu negativo. Não me importa se é verdade ou mentira, é a sua vida. Depois disso, ele era extremamente grosseiro toda vez que eu tentava falar com ele, até que um dia eu o excluí de minhas redes sociais. Não me incomodo de prestar ajuda a pessoas que se sintam confusas ou estão com medo de fazer o exame, mas tentar me sondar para saber sobre outra pessoa é muita desonestidade. Mesmo se eu soubesse de algo, eu seria um canalha se abrisse sobre a sorologia de outra pessoa para qualquer outra pessoa, especialmente alguém que acabei de conhecer.
PARTE 48 - EU TAMBÉM MEREÇO
Pouco tempo depois desde incidente, eu conheci via aplicativos um outro menino. Um rapaz que me disse respeitar minha condição sorológica. Que por ser um profissional da área da saúde sabe que um relacionamento sorodiscordante pode ser construído perfeitamente.
Eu confesso que tinha descartado a ideia de um relacionamento com um soronegativo. Já tinha posto em minha cabeça que só daria certo um relacionamento com alguém que também fosse soropositivo. Mas como esse rapaz me pareceu tão disposto a tentar eu me senti incentivado a uma última tentativa.
Nos encontramos aqui perto de casa e ficamos caminhando a toa. Ficamos. Assim foi pelos próximos três dias. Isso foi muito importante. Até então eu achava que tinha que ficar e tentar algo com qualquer pessoa que aceitasse minha condição. Mas desta vez eu percebi que estava errado. Não podia fazer isso comigo.
O fato de eu ser soropositivo não me faz uma pessoa menor para amar. Eu tinha que seguir seguindo meu coração. Meu coração me dizia que mesmo aquela pessoa me aceitando, eu não tinha a obrigação de seguir com um relacionamento. Eu também tenho o direito de sentir a paixão. Não tinha sentido. Já tinha lido em muitos grupos que quando alguém te aceitar como portador do HIV você deve se agarrar e não soltar mais. Compreendi que não é assim. Eu mereço me apaixonar de verdade, amar de verdade. Não posso amar por sentir pena de mim mesmo.
No quarto dia eu fui certo para terminar o que mal estávamos começando. Então veio a surpresa: justamente nesse dia, quando ele percebeu que estávamos acabando, ele me revelou ser soropositivo também. Ou seja, mais uma vez a farsa de que um sorodiscordante se aproximou de mim era mentira. E pior, escondeu de mim por dias sua condição que era a mesma minha. Mais uma vez eu fui honesto desde o princípio e não tive o retorno.
Porém desta vez foi diferente. Mesmo ele abrindo a sua sorologia, não fez muita diferença para mim em minha decisão final. Eu não tenho mais que procurar um soropositivo, eu tenho que me abrir para o amor e me permitir viver ele quando meu coração mandar, independente de sua sorologia. Tenho certeza de que quando o amor aparecer o HIV não será mais importante do que eu.

Continua...

segunda-feira, 3 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #19: NENHUMA DECISÃO FOI MELHOR QUE ABRIR MINHA SOROLOGIA PARA OS LGBT’S

PARTE 45 - A CHAVE DE TUDO
No início de fevereiro de 2015 eu fui até o aniversário da esposa do meu tio, irmão da minha mãe. No fim da janta ficamos só nós, eles, minha irmã e eu. Achei que era uma oportunidade boa para contar sobre minha sorologia. A verdade era que ela saberia logo mesmo, como assistente social não demoraria muito ... De várias formas possíveis. Além disso, eu tenho um carinho muito grande eles. Esse meu tio tenho como um irmão mais velho, com um pouco mais de idade do que eu. Crescemos juntos, como irmãos mesmo. Com sua esposa tenho muita afinidade também. Aliás, sou padrinho da segunda filha deles. Como pretendia abrir mesmo para minha família, nada mais justo que eles fossem os próximos.
Para ela foi tranquilo, até por ser assistente social. Ela conhece diversos casos de soropositivo e sabe que hoje em dia a doença não mata ninguém caso o tratamento seja feito corretamente. Já ele, que não tinha muita informação ficou em choque. Não em minha frente, mas fiquei sabendo que ele ficou um pouco triste durante alguns dias, chorou......
Tivemos duas reações: uma de uma pessoa com informação, mais tranquila e outra de alguém sem muita informação, com medo e sofrimento. Não tem jeito, a informação é a chave de tudo. A informação previne, ajuda a tratar e ameniza sofrimento. As pessoas tem que parar de ver o HIV como era nos anos ‘80 e ‘90. Não estamos mais lá. Depois disso passei a bombardear meu Facebook com reportagens, vídeos e entrevistas. As pessoas precisam saber a realidade atual. Precisam mudar essa visão do soropositivo como um doente terminal.
PARTE 46 - A MISSÃO
Pouco tempo depois disso eu fui surpreendido por uma mensagem de um amigo. “Léo, eu não sei como começar, preciso muito de sua ajuda, mas preciso que me prometa que guardará sigilo”. Esse menino me revelou que seu namorado se descoberto soropositivo. Meu amigo não é portador do vírus, seu namorado adquiriu enquanto os dois estavam separados. Mas este caso tinha algo muito peculiar: o namorado deste meu amigo, estava com seu CD4 em média de 250. Sua carga viral não era indetectável. Eles sabiam disso por exames de laboratório. Quando falei com meu amigo por telefone eu senti todo seu pavor e o medo de perder seu namorado. “Ele é tudo pra mim e não quero perder ele, ele não pode morrer”.
Ele tinha razão, 250 de CD4 é um número muito perigoso. Ele já deveria ter começado o tratamento. Mas não tinham ideia do que fazer exatamente, onde ir, com quem falar... Sequer tinham a carteira do SUS. Então me ofereci e levei eles até o COAS. Pedi que trouxessem os exames para evitar todo o procedimento, já que ele até já tinha feito inclusive os de CD4 e Carga Viral.
Num intervalo entre minhas aulas levei eles até o posto de saúde, fui até o COAS, os levei para fazer a carteira do SUS, marcamos uma consulta e no outro dia ele já foi consultar. Imediatamente ele começou o tratamento. Pouco tempo depois sua Carga Viral ficou indetectável e seu CD4 subiu.
Foi importante e gratificante algum tempo depois e ver os dois juntos, felizes e o menino com aparência saudável e feliz. Foi tão confortante perceber que eu utilizei algo que já teria me feito tão mal para ajudar um outra pessoa que estava perdida, sem saber para onde ir. Definitivamente, a melhor coisa que eu tinha feito desde que soube de minha sorologia foi abrir ela no meio LGBT. A missão realmente estava começando.

Continua...

domingo, 2 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #18: EU PERCEBI QUE FALAR SOBRE HIV AJUDARIA OUTRAS PESSOAS

PARTE 43 - #FIQUESABENDO
Mais um dia 1º de dezembro estava chegando. Neste ano eu poderia finalmente começar uma militância um pouco mais aprofundada. Agora que o povo LGBT da cidade todo sabia da minha sorologia, que minha família e amigos estavam sabendo pouco a pouco, eu tinha que partir para um próximo passo.
Aos poucos a necessidade de falar sobre isso começou a brotar em mim. Assim como a pouco tempo eu era um ignorante sobre o assunto, eu ficava imaginando quantos mais não sabiam nada sobre HIV e AIDS. Eu sequer sabia por exemplo sobre o PEP*. Não que pudesse ter feito diferença para mim, mas poderia fazer para várias outras pessoas.
Então resolvi finalmente vestir a camiseta. Eu já estava terminando meu ano letivo como professor em uma escola particular da cidade, no qual eu lecionava Xadrez. Eu sabia que começar a militar pela causa LGBT com mais presença e falar sobre HIV/AIDS poderia causar estranheza e rejeição por parte dos pais. Eu trabalhava com crianças. Particularmente acho que quando mais cedo se conhece a diversidade é melhor para amadurecer e crescer respeitando diferenças. Mas sabemos como funcionam as escolas particulares. Militância e ativismo não são bem aceitas. Então entreguei a turma.
Fui até o COAS e falei com uma das enfermeiras. Pedi uma camiseta que eles tem lá. Ela diz “Fique Sabendo”, como incentivo ao teste para HIV. Então foi esse o tema da minha campanha de 2014. Fui até o LuLi Foto e Video, estúdio fotográfico que costumo fazer meus books e fiz algumas fotografias com a camiseta e camisinhas.
No dia 1º de dezembro de 2014 postei em minha página profissional a foto escolhida com a hashtag #fiquesabendo, além de um grande texto sobre a importância de fazer o teste para HIV e os procedimentos caso ele dê positivo. Pode parecer pouca coisa, mas foi minha primeira manifestação realmente ativista pública no Facebook. Foi muito importante para mim.



PARTE 44 - NÃO!!!
2014 estava quase terminando e para minha felicidade carregava um sentimento mais otimista do que em 2013. Diferente das prévias festas de fim de ano, nas quais eu só queria ver o fim de um vez por todas, agora eu queria comemorar. Tinha decidido que no Natal eu ficaria em casa com minha família, mas nas celebrações de fim de ano, eu definitivamente teria que sair e comemorar.
Meu pai fez alguns trabalhos artísticos para o organizador do Réveillon do Tênis Clube Rido Branco da cidade, festa clássica no fim de ano daqui. Como não pediu pagamento, em retribuição, ganhamos quatro entradas para a festa. Para mim estava perfeito já que o ingresso não era muito barato.
O sentimento daquela noite estava tão agradável, tudo com uma energia positiva, que decidi beber. Eu tinha recebido de presente de fim de ano de alguns alunos e chefes várias champanhas. Bebi uma delas. Praticamente sozinho, mas reunido com minha família durante a noite de ano novo. Deixei meus remédios para tomar mais tarde, assim não teria sono. Pensei comigo, “enquanto estiver dançando, posso tomar eles, não terei sono”.
Eu tinha ficado de encontrar uma amiga dentro do clube, mas não encontrei, então comprei uma cerveja e fui até onde meu irmão estava com sua namorada e alguns amigos. Nisso já eram quase 3 da madrugada e eu decidi que deveria tomar meus remédios, já teria passado muito tempo. Meu irmão me avisou para não tomar..... Me disse para esperar chegar em casa.
Dez minutos. Esse foi o tempo necessário para eu quase desmaiar. A mistura de bebidas com o medicamento não funcionaram bem. Eu tive que me sentar, esperar eu conseguir ficar de pé para meu irmão me levar para casa carregado. Minha sorte é que moramos duas quadras do clube. Eu mal conseguia mexer as pernas e quase fiquei inconsciente.
Por mais que eu estivesse um pouco alcoolizado, eu não estava bêbado a esse ponto até me medicar. Depois deste episódio comecei a sentir alguns dos fortes efeitos colaterais novamente. Um ano depois e eles estavam voltando. Comecei a ficar preocupado. Muita coisa passou pela cabeça.... Uma delas era que o vírus poderia estar tomando força. Na minha cabeça naquele momento isso tinha alguma relação.
Fui até o COAS e perguntei para a enfermeira. Neste momento havia uma senhora ali na sala de espera. Eu perguntei no balcão mesmo, nunca me preocupei muito com isso. E foi bom eu ter feito isso. Durante minha conversa com a atendente aquela senhora interrompeu. “Olha, sempre que eu bebia eu sentia isso, por isso quando eu sei que vou beber, eu não tomo eles, vai ver que não vai se sentir mal”. Na mesma hora a enfermeira e eu gritamos juntos: “Não!!!!”
Pobre senhora, não tinha tanta informação como eu. Por isso muito tratamento não dá certo. Explicamos para ela que os remédios não podem ser deixados de lado nenhum dia, nem quando beber. Eu fui embora refletindo sobre aquela cena com tristeza. Se eu não tivesse falado sobre aquilo abertamente na recepção, aquela senhora seguiria fazendo tudo errado. Ela poderia morrer por isso. Cada vez mais eu me convencia que tinha que começar a falar mais sobre o HIV, mais sobre prevenção e esclarecer o que pudesse.
Sobre meus fortes enjoos? Bom, segundo a enfermeira poderia ter sido devido a troca do laboratório fornecedor ou consequência do álcool mesmo. Afinal, meu fígado não é mais o mesmo. Em menos de duas semanas eles pararam e nunca mais os senti novamente.

Continua...

* PEP - PEP significa Profilaxia Pós-Exposição. É uma forma de prevenção da infecção pelo HIV usando os medicamentos que fazem parte do coquetel utilizado no tratamento da Aids, para pessoas que possam ter entrado em contato com o vírus recentemente, pelo sexo sem camisinha. Esses medicamentos, precisam ser tomados por 28 dias, sem parar, para impedir a infecção pelo vírus, sempre com orientação médica.
Essa forma de prevenção já é usada com sucesso nos casos de violência sexual e de profissionais de saúde que se acidentam com agulhas e outros objetos cortantes contaminados. Via PEP Sexual.