segunda-feira, 24 de abril de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #14: EU PERDI MINHA FÉ NO AMOR

PARTE 34 - SÓ SEXO
Com minha carga viral indetectável e CD4 muito bom eu comecei a me sentir mais seguro. Sabia que poderia me relacionar sexualmente com outras pessoas sem a preocupação de transmitir o vírus para elas. Devido as últimas tentativas desastrosas de relacionamentos e abrir minha sorologia logo de início, desta vez eu decidi guardar o segredo. Então seria apenas sexo. Sem chances de deixar sentimentos aflorarem. Minha consciência estava limpa. Afinal, não tinha como eu transmitir e só praticaria sexo seguro.
Foi bom para minha auto estima, voltei a me sentir desejado e passei a me dar mais oportunidades. Mas o bloqueio emocional consciente nunca deixava que eu tivesse uma relação por mais de uma vez com a mesma pessoa. Era como uma regra de ouro. Se fosse mais de uma vez eu teria que contar.
Isso se refletiu em minha imagem. A segurança me vez voltar a gostar de mim. Voltei aos meus treinos de musculação, minha dieta normal e comecei a gostar do que eu via no espelho novamente. De certa forma, o HIV começou a me fazer perceber que eu tinha que me permitir mais. Eu não sabia mais até quando eu estaria bem. Então passei a fazer coisas que sempre tive vontade, mas me preocupava com a opinião alheia. Meu primeiro passo foi furar minhas orelhas. Colocar brincos era algo que sempre quis desde muito jovem e nunca tinha coragem pelo fato de meu pai sempre deixar claro que não gostava. Mas quer saber? Agora sou eu por mim.
PARTE 35 - BICHINHO
No fim de abril fui adicionado no Facebook por um rapaz que há pouco tinha voltado para Uruguaiana. Ele estava morando na Europa e voltou para cidade para tentar abrir seu próprio negócio. Um rapaz de família de dinheiro, bem articulado e relacionado. Maior parte de suas amizades eram minhas conhecidas. Já o conhecia por ser homossexual mas ele achava que ninguém suspeitava de sua sexualidade. No dia 06 de maio, eu aceitei o convite dele e saímos juntos. Fomos até um motel e não posso dizer que o papo era ruim. Ele foi divertido e agradável. Bem na verdade, conversamos mais do que qualquer coisa. Durante a conversa ele me perguntou: “tu sabe quem tem AIDS na cidade?”. Por um minuto pensei que ele estivesse tentando me fazer falar, mas percebi que não. Foi quando eu disse: “olha, tem muitos, mas não falaria pra você. Isso é negócio deles”. Vendo que não achei uma pergunta apropriada, ele completou: “é que eu tenho muito medo de pegar AIDS”. Eu com toda a paciência do mundo, dei uma aula de HIV/AIDS pro rapaz. Ele, mesmo com toda sua instrução, bagagem de vida e experiências, se mostrou um grande ignorante do assunto.
Apesar dele parecer uma boa pessoa, não abri minha sorologia para ele. Não tinha necessidade. Mal nos encostamos direito, nem se quer terminamos o que começamos. Mesmo assim, acabamos nos dando bem. Nunca mais nos vimos pessoalmente, mas nos falávamos seguido por mensagem. Até que no dia 07 de julho ele me enviou uma pergunta: “é verdade que tu tá com o bichinho?”. Eu entendi a moral. Mas neguei. “Vai numa clínica, faz o teste e vai ver que tá tudo ok”, respondi. Eu sabia que não tivemos nenhuma situação para se preocupar. Estava tranquilo. Segundo ele, ele teria escutado alguém falar me minha sorologia na rua, por acidente. A mentira mais esfarrapada que alguém já me disse. Uma pessoa na verdade tinha contado diretamente para ele. Uma mulher que éramos amigos em comum. Percebi que meu nome estava pulando de boca em boca.
Estranhamente, depois este fato, inúmeras pessoas me perguntavam se eu era portador do HIV e segundo elas, tinham recebido essa informação dele. Deixei essa história adormecer. Me parecia que poderia gerar mais boatos ficar remoendo e ele me negaria de qualquer forma.
PARTE 36 - POR QUÊ?
Logo após isso, ele iniciou um namoro com um ex-colega do qual eu gostava muito. Eu por coincidência, conheci um amigo dele. Como era minha regra de outro, ficamos a primeira vez sem eu falar sobre minha condição de soropositivo, em julho. Mas eu me apaixonei. Quebrei minha própria regra. Apenas depois de tentar fugir deste rapaz e não ter mais o que dizer para justificar minha negativa eu me rendi. Como eu achei que seria justo, revelei que sou portador de HIV.
Ele foi compreensivo. Disse que já tinha escutado sobre isso mas não acreditava, mas que isso não mudaria nada. Que mais me admirava. Que tudo estava certo e seguiria assim. Nesse momento nos falávamos por mensagens do What’s App. Eu jamais na vida poderia esperar que ele, tão querido, tão compreensivo... que me aprecia tão sincero, estaria encaminhando todas as minhas mensagens para o seu amigo. Aquele mesmo que eu tinha ficado em maio. Ele nem esperou nós terminarmos a conversa. Antes de eu finalizar o assunto seu amigo estava me chamando por mensagem: “você mentiu para mim, agora eu não sei o que eu vou fazer, se tu tiver me passado algo eu vou me matar”. Foi o sentimento mais surreal. Não acreditava que estava lendo esse absurdo. Não acreditava que o outro menino que parecia tão especial tinha traído minha confiança de forma tão suja e desonesta.
Ele me justificou com o seguinte argumento: “contei pra ele pelo fato dele estar espalhando para todo mundo que você poderia ter passado HIV pra ele, achei que era uma oportunidade boa para você esclarecer”. O outro rapaz, teve um surto falando que ia morrer e que eu seria o culpado. Minha resposta foi exatamente essa:
“Seguinte. Contei uma coisa para o *******. Infelizmente em menos de 5 minutos ele já abriu a boca. Infelizmente. Pq contei pra ele e não contei pra vc? Pq ficamos uma única vez, e provavelmente não voltaríamos a ficar. Pq eu gostei muito dele e pretendia seguir ficando... Quis ser honesto. Não fui honesto com vc? Depende do ponto de vista. Até pq sei que a sua história sem pé nem cabeça de que passei caminhando é mentira. Vc tb não foi honesto comigo. Nem parece que vc é um homem instruído e que morou fora *******. Não sabe como se transmite o HIV? Vc nem se quer encostou no meu pinto... Usamos camisinha. Quer que eu desenhe? Outra coisa ********, a pessoa que te contou, que inclusive já sei quem é, esqueceu de dizer que minha carga viral é indetectável. Eu não transmito o vírus. Por isso exatamente a não necessidade de abrir pra alguém que eu fiquei uma vez na vida. Pq eu NÃO transmito o vírus. Qual a necessidade de contar se transamos com camisinha e minha carga viral é indetectável. Por isso, se por acaso fizer um exame, e for reagente, não foi de mim que adquiriu, pq novamente, eu NÃO transmito. Eu poderia inclusive ter um filho agora que nem a mulher nem a criança seriam soropositivas. Pq não te contei tb? Pq sei que esse boato gigante de muitas pessoas me perguntando umas quantas me deram o teu nome... Exatamente, segundo elas, vc que contou que eu "poderia" ter HIV. Quem? Não vem ao caso e NÃO vou entrar em méritos. E mais, sei que não transou e saiu só comigo e outro cara aqui... Sei que é mentira. Não vem me cobrar verdades quando não foi 100% honesto. Mas fica tranquilo, lê sobre o assunto. Eu não transmito o vírus, ainda mais com sexo com camisinha, aliás, cientificamente e medicinalmente falando, é mais seguro transar comigo do que com qualquer um que se pega em Grindr ou pate-papo, pq eu pelo menos cuido do vírus e deixei a carga dele nula. Abraço.”
Na mesma hora eu deletei ele do meu Facebook, assim como da minha vida. Nos cruzamos algumas vezes mas finjo que ele não existe. Hoje ele nem está mais no país. O outro rapaz, do qual tentei abrir meu coração, também não vi novamente. Não tinha como. Se eu tinha alguma dúvida de que algum dia poderia ter algo com alguém, ele me fez desacreditar por completo desta possibilidade. Além disso, depois de tanta exposição de minha sorologia, especialmente no meio LGBT por esses dois, me vi tendo que tomar uma importante decisão.

Continua...

segunda-feira, 17 de abril de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #13: EU ME SENTIA SUJO

PARTE 31- TRINTA E DOIS
Janeiro sempre teve um sentido diferente para mim. Isso pelo fato do meu aniversário ser no dia 19. Mas para ser sincero, nunca gostei de comemorar aniversário. Não sei explicar o real motivo, mas não me sinto confortável em uma festa feita para mim. Nunca consigo dar atenção para as pessoas, nem interagir com elas.
Porém, dia 19 estaria completando 32 anos. Meu primeiro aniversário sendo portador do HIV. Ainda cheio de incertezas, mas tentando ver as coisas de uma nova ótica. Este aniversário eu precisava comemorar. Comemorar com direito a língua de sogra, chapéu e balões coloridos. Esse ano me parecia que tinha um motivo muito verdadeiro para celebrar: a vida.
Foi o que fiz. Não foi nenhum festão mas muitos dos que importam para mim estavam na minha casa. Parentes, amigos.... Meus pais pareciam mais felizes que eu inclusive. Ainda era muito recente, quatro meses como soropositivo. Foi uma festa interessante. Como de costume não interagi muito. Mas observei a todos com satisfação. Acho que foi a única vez em que eu estava como anfitrião de meu aniversário e estava confortável com isso. Eu estava tentando ser otimista.
PARTE 32 - AS FOTOS
Desde 2005 que eu sempre comemoro meu aniversário fazendo um book fotográfico. É um processo que muitos enxergam como vaidade, mas para mim, vai muito além disso.
Eu faço toda a criação artística, escolho roupas, iluminação, poses e tudo que está envolvido. Faço um trabalho físico para estar me sentindo bem comigo mesmo. Às vezes tiro um pouco da roupa, às vezes quase toda. É algo que eu sempre faço querendo passar uma mensagem, por isso acontece justamente próximo do meu aniversário. É um marco anual da minha vida em imagens.
Em 2014 eu pensei em deixar para lá. Eu não estava conseguindo treinar, estava me achando feio, sujo... Estranho. Estava sem nenhuma confiança. Auto estima baixa. Mas mesmo com todas essas coisas, recebi o incentivo de minha mãe e percebi que isso poderia me fazer bem. Então mudei de ideia na última hora. Não estava nem perto fisicamente de como costumava estar, mas eu passei a pensar que esse ano seria para marcar um recomeço e a marca de o início de uma luta.
Assim o fiz. No meio de balões de aniversário, sem muita pretensão, sem barriga de tanquinho, mas talvez pela primeira vez, lúdico e sorrindo de verdade. Durante o ensaio fotográfico eu pensava: “que bom que eu ainda posso fazer isto”. Olhando hoje, tenho um carinho especial por elas. Foi bom ter mudado de ideia.
Nas fotos de 2014 brinquei um pouco comigo mesmo.
PARTE 33 - ADORO SALMÃO
Pouco tempo depois, em fevereiro, fiz meu segundo exame de CD4 e Carga Viral. No início eu fazia de três em três meses. Para minha surpresa, meu CD4 tinha pulado para 1554 e minha Carga Viral continuava indetectável. Agora eu poderia efetivamente tentar me relacionar com alguém sem medos.
Claro que não fiquei em jejum sexual todo esse tempo. Mas eu tinha me policiado de que não teria mais nada sério até me sentir mais confiante.
Nesse período uma amiga muito próxima queria me apresentar um amigo. Depois alguns desencontros acabamos nos encontrando. Graças à internet, que facilita esses contatos. Após alguns dias de conversa, ele me convidou para jantar um salmão com ele em seu apartamento. Aceitei, adoro salmão.
Minha amiga tinha me avisado para não abrir minha sorologia para o rapaz. Segundo ela, se ele me conhecesse primeiro talvez pudesse se apegar e depois enfrentaria o problema de outra forma. Mas eu não consigo. Eu precisava falar e realmente falei. Lembro de sua resposta: “isso só me faz eu me orgulhar mais de ti, por sua honestidade”. Deixei claro que entenderia caso ele mudasse de ideia sobre o salmão, mas ele manteve o convite.
Empolgado e feliz por alguém finalmente aceitar minha sorologia, eu comprei um pote de sorvete napolitano para a sobremesa. O que mais eu queria? Alguém que supostamente me entendia, salmão e sorvete. Noite perfeita.
Porém eu percebi que de repente as coisas não seriam mil maravilhas quando nosso assunto foi praticamente HIV. Não todo, mas grande parte. Mesmo assim, depois da janta sentamos para conversar e o óbvio aconteceu.
Foi neste momento que eu percebi que por mais que carregado de boa vontade, aquele menino apenas pensou que levaria a situação tranquilamente. Senti isso logo no primeiro beijo. Você sabe quando alguém quer te beijar. Quando uma pessoa te beija e mal abre a boca, ela não está realmente com você.
O beijo é o melhor termômetro para saber quando alguém está envolvido por você. Você sente no beijo. Eu senti no beijo dele medo, apreensão, pena e, poderia dizer, até um pouco de nojo - por mais que ele não quisesse sentir isso. Mas acho que tudo se confirmou quando tentei tomar uma iniciativa um pouco mais arriscada e recebi um: “não tem necessidade disso”. Só ajudou para reforçar em mim aquilo de que no fundo eu estava sujo. Me senti imundo.
Vesti minha linda camisa xadrez rosa com verde que eu mesmo tinha tirado. Coloquei meus sapatos, agradeci a janta e pedi para ir embora. A história ficou ali e eu obviamente fiquei mais uma vez frustrado. Eu acho que ele tentou, se esforçou para não ter uma atitude preconceituosa. Honestamente, eu preferia ter sido dispensado logo no inicio.

Continua...

quarta-feira, 12 de abril de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #12: EU SABIA QUE MINHA SOROLOGIA NÃO SERIA SEGREDO

PARTE 29 - NINGUÉM SABE
Em meio ao início do tratamento, chegou meu primeiro dia 1º de dezembro como soropositivo. Para isso eu quis preparar algo especial... Seria um começo de uma militância. Se bem que sempre, desde o Orkut, eu falava sobre prevenção do HIV, mas eu era muito ignorante a respeito. Apenas falava sobre usar camisinha e pronto. Não sabia nada mais aprofundado.
Um amigo que também é soropositivo me dizia: “Léo, não fica postando essas coisas assim, todo mundo vai perceber. Eu mesmo tenho HIV faz 10 anos e ninguém sabe”. Coitado. Eu só lembrava do dia que conheci ele.... No momento que ele virou as costas já me contaram sua situação. Conheci ele como soropositivo. Aliás, todos soropositivos que conheço eu fiquei sabendo de suas sorologias no momento em que os conheci. Não por eles. Quanto tempo eu teria para ser descoberto? Será que valia a pena eu me enganar assim? Me iludir achando que numa cidade pequena como Uruguaiana ninguém saberia? Esse segredo nunca me pareceu algo que duraria muito. De fato não durou.
Mas, o que importa é que mesmo sabendo de possíveis suposições e especulações, comecei a fazer da minha maneira uma militância virtual. A grande motivação é que você quer evitar que outras pessoas passem pelo que você está passando. Por outro lado, percebo da dificuldade das pessoas em compartilhar qualquer link ou postagens relacionadas ao HIV. Talvez por medo de serem vinculadas ao vírus, isso é um tanto quando frustrante. Mas, pelo menos estava começando algo que poderia ficar maior.
1º de dezembro de 2013: a primeira de muitas postagens que viriam.

PARTE 30 - ENTÃO É NATAL
Natal chegando.... Fim de ano chegando... Cada vez que eu escutava aquela infame música natalina da Simone me perguntando o que eu tinha feito em meu ano eu tinha vontade de mandar ela bem longe.
Sempre achei o Natal uma data triste, por diversas razões. Esse ano seria um dos piores. Como de costume iria ara casa de meus avós. Todos ali, felizes, e eu pensando no que estava acontecendo com minha vida. Eu estava em qualquer lugar, menos ali com eles. Além de visivelmente afetado pelo medicamento.
E assim fiquei até meia noite quando antes de abraçar qualquer pessoa eu engoli dois comprimidos. Não podia esquecer.... Nunca podemos esquecer. “Feliz Natal, tudo de bom mimoso”. Eu, com os olhos cheios de lágrimas, engolindo o choro só sorria com o canto da boca. Qualquer tentativa de palavras seria uma choradeira. Ninguém sabia de nada além de meus pais e meus irmãos. Acho que consegui enganar um pouco.
Na espera do ano novo algo bom veio junto: o fim de 2013. Eu só queria que esse ano terminasse. Que tudo fosse diferente. Que eu tivesse certeza que eu ficaria bem e responderia bem ao tratamento. Que eu parasse de sair da academia e vomitasse dobrando a esquina. Que eu não cochilasse mais enquanto pedalava. Que eu não precisasse mais fingir que estava tudo bem. Tudo tinha que estar bem.
O ano que chegava veio como uma esperança, de mudanças e uma fé renovada de que minha saúde estaria melhor. Meia-noite novamente tomei meus comprimidos, fui a pé para minha casa, me deitei e dormi.

Chega! 2013 finalmente terminou.

Continua...

domingo, 2 de abril de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #11: POR UM MINUTO PENSEI EM DESISTIR

PARTE 27 - MEU QUERIDO EFA
Quinta-feira, dia 27 de novembro de 2013. Cheguei em casa com os dois frascos que guardavam meu medicamento. Já devia começar a tomar eles na própria quinta. Tanto o infecto quando a assistente foram bem claros: eu deveria tomar um de 12 em 12 horas e o Efavirenz antes de dormir. Mas assim, literalmente antes de dormir, pelo fato de eu ter grandes chances de não conseguir ficar em pé. Com isso já podemos ter uma noção da força desta droga em nosso organismo.
Pois bem, meia-noite tomei meu combo 2 em 1 e o Efavirenz - carinhosamente chamado por nós de Efa, tomei um pouco depois. Minha família estava vendo um filme na sala de casa e depois de engolir o comprimido eu devo ter ficado com eles na sala por uns três minutos no máximo. Foi o suficiente. Quando percebi estava me babando. Tentei me levantar e sentei de novo. Respirei fundo e finalmente fiquei de pé. A língua travada. Visão turva. Mas consegui, no melhor estilo “The Walking Dead” ir até o quarto. Chegando lá só me joguei na cama. Foi por pouco que não me estendi no chão. De repente um calorão fora do comum, tipo 40 de febre, tomou conta do meu corpo e tudo começou a girar.
Eu não sei se o que eu vi depois disso foi alucinação ou sonho, mas foi uma das vivências mais psicodélicas da minha vida. Muita cor, imagens distorcidas, vozes de pessoas falando ao mesmo tempo e quando percebi acordei. Sabe quando você toma um porre de champagne e acorda ressaca? Um misto de sequência da bebedeira com ressaca. Sabe? Assim que dei uma aula de hidroginástica às 8h da manhã. Por pelo menos uns quatro momentos eu quase caí na piscina. Fiquei trabalhando assim até quase o meio dia. Drogado, falando nada com nada e visivelmente com problemas motores.
PARTE 28 - NÃO AGUENTO MAIS
Mas o problema foi esse então? Esses são os tão falados efeitos colaterais dos ARV’s? Antes fossem.... antes fossem. Depois do segundo dia eles realmente começaram. Uma dor de cabeça contínua, sem trégua. Da mesma forma era aquela sensação de enjoo. Uma ânsia de vômito que nunca parava. Tremedeiras, eventualmente confusão. Sabe quando você está fazendo algo, para e pensa: “o que estou fazendo mesmo?”. Como se não bastasse, eu ainda apresentei um pouco de diarreia.... era só exagerar um pouco na comida.
O que eu podia fazer afinal? Eu sabia que eles durariam por volta de três meses no máximo. Sabia também que nem todos sentiam. Mas claro, fui abençoado com quase todos efeitos colaterais. Só não tive a reação alérgica na pele. No mais, veio tudo.
Depois de um mês começou a ficar insuportável. Eu não conseguia ficar acordado. Eu saia de casa para trabalhar, voltava e dormia. Todo e qualquer tempo vago era pra dormir. Só dormindo que tudo aliviava. Eu vivia na base de sal de fruta. Perdi muita massa muscular. Apenas maçã sentava sem voltar. Não conseguia mais treinar musculação, não tinha ânimo... Não tinha vontade de nada.
Nessa época por um curto período eu pensei em desistir. Um dia eu estava no meu quarto com minha irmã e tive uma crise. “Eu não aguento mais.... Não quero mais isso”, falei chorando. “Ninguém merece isso, não consigo sair da cama”. Minha irmã me manteve calmo. Me fez lembrar que mais um curto tempo e eu provavelmente estaria melhor.
Sabe, foi um desabafo, eu precisava chorar um pouco. Esse início foi importante para o tratamento, justamente pelo fato de ser a pior etapa. Se você passa por ele, depois leva tudo com mais facilidade.
Nessa época eu me afastei dos amigos. Eu parei de me reunir com colegas. Acho que agora eles vão entender o motivo de todas as vezes que eu dizia “não posso ir”. De quando eu ia em uma janta e ficava indo no banheiro de 10 em 10 minutos. Depois desta época eu tive trocar tudo em minha alimentação e até perfumes, sabores e cheiros me traziam aqueles enjoos novamente. Fiquei meses sem meu perfume favorito, sem beber Coca Zero, sem comer coisas que eu gosto.
Ainda hoje eu sinto o efeito do meu querido Efa. Basta eu tomar e não dormir. Não na mesma intensidade, é claro. Mas sabe de uma coisa? Hoje vejo que tudo valeu e vale a pena.
Eu ainda sigo vivo.

Continua...