sexta-feira, 24 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #10: DECIDI COMEÇAR O TRATAMENTO MESMO SEM PRECISAR

PARTE 25 - CHEGOU O DIA
No final de novembro liguei para o COAS perguntando se o resultado de meus exames finalmente estavam prontos, a resposta foi sim. Esses exames são importantes devido ao fato deles definirem meu tratamento.
Desde que soube minha sorologia eu já parti para muita leitura e sabia que devia me preocupar caso meu CD4 estivesse menor que 400. Assim como já sabia valores preocupantes para a Carga Viral. O medo era estar entrando em um estágio de AIDS* e não estar percebendo. Nesse momento eu não sabia se era um portador do HIV ou se estava apresentando o quadro de AIDS.
Dia 27 de novembro de 2013 fui até o Posto de Saúde, pela parte da tarde com minha mãe. Ela fez questão de ir junto. Nesse dia em particular eu estava muito nervoso, ansioso e com muito medo. Ela como uma boa mãe percebeu isso.
Cheguei no posto e pedi os resultados. Veio a resposta: CD4 736; Carga Viral 20.000 e alguma coisa. Consegue imaginar o alívio? Meu CD4 estava de início quase o dobro do mínimo e minha Carga Viral estava relativamente boa em comparação a muitos que tem 200.000, por exemplo. Na mesma hora já marquei consulta com meu infectologista para o dia seguinte.
Eu saí da sala, dei três passos, levei as mãos ao rosto e tive uma crise de choro no corredor do Posto de Saúde. Um choro de alívio... De saber que não estava tão ruim. Minha mãe disse: “eu sabia que isso ia acontecer, por isso vim contigo, agora tudo vai dar certo”. Talvez tenha sido o choro de felicidade e tensão mais verdadeiro da minha vida.
PARTE 26 - EU QUERO COMEÇAR
Bom, eu sabia que o tratamento era obrigatório para quem tem o CD4 menor de 400, essa era a norma naquele ano. Mas eu sabia também que eu tinha a escolha de iniciar o tratamento mesmo assim, mesmo sem “precisar”.
O que eu pensei naquela noite: se eu começar o tratamento agora, logo terei minha Carga Viral zerada e deixo de carregar o risco de transmitir para outras pessoas; se eu não começar, além de carregar esse medo, eu também carregaria o medo de por qualquer motivo ter meu CD4 despencando, assim desenvolvendo uma doença oportunista** e de repente, inclusive, ser internado.
Na maioria dos casos, uma hora ou outra o soropositivo vai acabar tendo que iniciar o tratamento. Então me pareceu óbvio.
No outro dia quando o infectologista foi me falar a possibilidade eu o interrompi e disse: “eu quero começar”. Ele me explicou que caso começasse eu nunca mais poderia parar o tratamento. Mesmo assim decidi seguir com minha decisão. Me parecia mais justo comigo, com minha família e com um futuro namorado. Também não queria deixar que o vírus interferisse em meu trabalho.... Esperar uma internação ou agravar o caso só iria dificultar as coisas.
Então, sem muito drama, fui encaminhado até a assistente social e lá ela me deu os medicamentos. Vou fazer uma confissão dentro desta confissão: acredito que em todo meu tempo até agora como soropositivo esta tenha sido uma das partes mais difíceis. Foi a única vez que fiquei com os olhos marejados na frente do pessoal do COAS. “Você está bem?”, ela me perguntou espantada, nunca tivera me visto assim. “Estou sim, só é difícil”..... Falei, com os olhos cheios de lágrimas e a voz tremula. Ela me disse: “vai dar tudo certo, estou torcendo por você, vai se sair bem, tenho certeza disso”.
Sabe o que acontece? Até então, eu sabia da minha sorologia, mas efetivamente ela não tinha mudado minha vida ainda. Pegar os medicamentos é realmente o momento que a ficha cai e você percebe sem sombras de dúvida que está com um problema.
Meu esquema é o combo 2 em 1 Lamivudina+Zidovudina e Efavirenz. O primeiro eu deveria tomar duas vezes ao dia e o segundo apenas antes de dormir. O que eu não imaginava era o que estava por vir.
Efavirenz e Lamivudina+Zidovudina: sem eles eu poderia nem estar mais aqui.
Continua...

* Diferenças entre HIV e AIDS - O HIV é o vírus que causa a AIDS e a AIDS, por sua vez, é quando o sistema imunológico perde a habilidade “defender” o corpo por que ele está ocupado reproduzindo (gerando) mais vírus HIV. E com o corpo sem defesa, ele fica mais propenso à doenças oportunistas. Nesse caso diz-se que a pessoa tem AIDS. Uma pessoa que tem HIV, com o tratamento (com antirretrovirais) e o acompanhamento adequado, pode nunca a chegar a desenvolver o quadro de AIDS. Via Viver com HIV.
** Doenças Oportunistas - As doenças oportunistas são doenças que se aproveitam da fraqueza do sistema imunológico, que cuida da defesa do organismo. Como os principais alvos do HIV , vírus causador da AIDS , são essas células de defesa, é importante estar sempre de olho na saúde. Para manter uma vida saudável e evitar que o organismo baixe ainda mais suas defesas, é necessário cuidar da alimentação , fazer exercícios físicos e estar bem emocionalmente. Com esses cuidados diários, será mais difícil que seu corpo fique vulnerável a resfriados, gripes ou problemas gastrointestinais, que podem evoluir para doenças mais graves. Em pessoas com AIDS, o estágio mais avançado da doença, essas infecções muitas vezes são graves e podem ser fatais, pois o sistema imunológico do indivíduo pode estar danificado pelo HIV. Por isso, é bom prestar atenção às alterações do nosso corpo. Via Viver com HIV.

segunda-feira, 20 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #9: ELA SALVOU A MINHA VIDA

PARTE 23 - OUTRA PESSOA
A situação era a seguinte: eu não aguentava mais me ver no espelho... Numa sexta-feira eu tinha o aniversário de uma das academias que eu trabalho. Então eu deveria sair da minha última aula de bike indoor, às 22h, ir para casa e tomar um banho rápido.
Eu fiz isso. Quando eu me olhei no espelho eu pensei... “Não dá mais”. Precisava mudar e comecei mudando por fora. Fui até meu quarto, peguei minha máquina de cortar cabelo que normalmente uso pra aparar a barba e comecei... Pra não me arrepender já passei uma primeira vez bem no meio da cabeça. Caíram todos. Parece bobagem sabe, mas senti que um pouco daquela energia negativa que eu estava carregando tinha saído junto com os cabelos. Como um Sansão reverso.
Bom, de fato fiquei diferente, já que na academia ninguém me reconheceu mesmo. Nem minha chefe que ao chamar os professores percebeu que eu estava ali. Acho que no fundo era isso que eu queria, passar despercebido. Sei lá, parecia que só de me olharem as pessoas poderiam identificar alguma coisa. Eu sei que não. Mas em tempos de confusão nada faz muito sentido.

Eu sei que a mudança vem de dentro, mas neste caso, tive que iniciar por fora.

PARTE 24 - A SALVADORA
O mais interessante é que logo após disso meus furúnculos começaram a desaparecer. Assim como também fiz minhas últimas nebulizações. As coisas estavam voltando aos eixos. Talvez tenha sido uma defesa que minha cabeça criou pra lidar com o problema.
Não quero que pareça que eu estava depressivo. Nunca estive. Isso até impressionava muito as pessoas no Posto de Saúde. “Você está lidando muito bem com isso né?”, me perguntavam. Nem precisei de psicólogo. Mas claro que tive momentos de fraqueza. Não tem como. Porém, eu tentava me manter positivo durante os outros momentos. Colocava uma música das Spice Girls e pensava, “vamos lá!!”. As aulas tinham que continuar. A vida tinha que continuar.
A grande ironia de tudo é que até minha sobrinha nascer eu sempre tive uma tendência suicida. Tenho uma marca no pulso esquerdo por isso. Depois que ela apareceu, essa tendência desapareceu por completo. Como um deboche da vida, eu também adquiri o HIV. Agora o que mais quero é viver. Por mim, pelos meus, por ela. Fico imaginando se ela não existisse nesse momento, provavelmente eu já teria me matado. Costumo dizer que ela salvou a minha vida.

Últimos dias de nebulização e medicamento controlado. Infecção pulmonar vencida.

PARTE 25 - ABSTINÊNCIA
No momento que comecei a aceitar que era portador de um vírus. Que estava lutando para viver diariamente. O foco começou a ser outro. Passei a me abrir para mais amigos. A maioria muito receptivos, outros nem me deram muita atenção. Mas percebi que a cada desabafo eu me sentia menos mentiroso.
Eu sou o tipo de pessoa transparente. Não gosto de mentir e esconder minha sorologia, era mentir sobre quem eu era. O vírus estava em mim agora. Eu não sou o HIV, mas ele faz parte de mim. O quanto mais eu levar isso com naturalidade, mais as pessoas vão entender do que se trata. Nesse momento começou a nascer em mim a semente da militância. Nesse momento eu pensei que de repente tudo isso poderia virar uma missão. Não era para amanhã, ou para o próximo mês, mas algum momento.
Comecei a conversar muito com outros soros e da minha vontade de tomar isso como bandeira. A maioria me disse a mesma coisa: “não faça isso, ninguém precisa saber da sua intimidade”. Ou completavam dizendo que o preconceito seria muito grande.
Eu achava que me abrir poderia me deixar limpo. Muitas vezes eu me sentia sujo no meio das pessoas. Como se eu carregasse um veneno mortal e omitisse. Um amigo me falou: “bobagem, esses gays saem chupando qualquer um sem camisinha e não se preocupam com isso, não é você que tem que se sentir um lixo”. Não concordo com ele em diversos aspectos. Por isso eu decidi que só voltaria a ficar com alguém quando eu iniciasse meu tratamento de fato com os ARV’s* e minha Carga Viral ficasse indetectável**. Mas pra isso eu precisava saber de algo muito importante que estava chegando para mim.... Os resultados de meu CD4 e Carga Viral.

Continua...

* ARV’s - A terapia antirretroviral (TAR) é a terapia para tratamento e tentativa de eliminação, do organismo, de retrovírus. Contudo, basicamente essa nomenclatura é utilizada para descrever o tratamento contra o vírus da AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), o retrovírus mais famoso. Desta forma, o principal objetivo da terapia antirretroviral é, através da inibição da replicação viral, retardar a progressão da imunodeficiência e restaurar, tanto quanto possível, a imunidade, aumentando o tempo e a qualidade de vida da pessoa que vive com HIV ou AIDS. Via Portal Educação.
** Carga Viral Indetectável - Desde que os ARV’s sejam eficazes, nenhum vírus livre é detectável no sangue nem nas secreções genitais. Todos os dados epidemiológicos e biológicos indicam que a aplicação consistente de um TAR permite excluir todo risco importante de transmissão. Em caso de supressão total da carga viral, o risco residual de transmitir o HIV por via sexual sem preservativos é netamente inferior a 1 em 100.000. Se o risco residual não pode ser excluído do ponto de vista científico, a CFS e as organizações interessadas estimam não obstante que ele é desprezível. Via GIV-Grupo de Incentivo à Vida.

sábado, 18 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #8: O NÃO DO AMOR DÓI MUITO

PARTE 21 - MI CHICO LATINO
Não seria irônico o fato de eu estar sozinho faz um bom tempo e quando descobri minha sorologia os aplicativos de pegação começaram a bombar? Mas eu não estava disposto. Não estava disposto a abrir minha nova condição pra quem eu fosse ficar e não conseguiria manter algo sem falar. Me sentiria a pessoa mais desonesta do mundo. Iniciar algo baseado na mentira nunca me pareceu uma boa ideia.
Anos atrás eu conheci um menino argentino, lá em Paso de Los Libres, cidade vizinha aqui de Uruguaiana. Fomos em um grupo de amigos na casa dele. Muito querido, bonito e inteligente. Mas eu sabia que ele tinha um relacionamento. Além disso, eu não sou o tipo de cara que parte pra cima. Então nunca me manifestei, até que um belo dia, quem me “cutuca” no Facebook? Ele mesmo.
Depois de uma séries de cutucadas mútuas, nos falamos. Ele não tinha sido o primeiro que tentou comunicação comigo. Mas eu respondi suas “cutucadas” justamente por saber que seu ex-namorado era soropositivo, mas sabia que ele não era. Um relacionamento sorodiscordante parecia algo viável então.
Conversamos muito e ele me convidou para ir até Libres. Apesar de ser uma cidade vizinha, são minutos para atravessar apenas uma ponte que nos separava. Eu fui. Lá estava ele. Lindo, bom papo... Ficamos horas e horas apenas conversando. Mas por mais que eu soubesse que para ele um ficante soropositivo não seria algo de outro mundo, eu travei. Não consegui contar, fiquei com medo, receio. E se ele me mandasse embora? E se ele me dissesse que eu fui desonesto?
PARTE 22 - HASTA MAÑANA
Nós ficamos. Eu nunca fui tão travado na minha vida. Nunca fui tão sem reação. Mas não tivemos nada de mais. Nada que pudesse me deixar com a consciência mais pesada por omitir minha nova condição. Eu posei lá, me acordei no domingo com café da manhã. Lindos e deliciosos croissants. Se tem algo que é uma delícia na Argentina é sua gastronomia. Fui embora me sentindo bem... Me sentindo feliz. Mas ao mesmo tempo me cobrando. Ao mesmo tempo achando que fui irresponsável.
Porém, nós seguimos nos falando diariamente. Durante a semana, ele me convidou para ir adivinha onde? Naquela festa do meu amigo que teria no próximo sábado. Não pude dizer não. Além dele, uma amiga muito especial - aquela que foi me visitar na primeira semana, também estaria lá. Então fui pegar os dois ingressos VIP’s que estavam separados para mim. Meu amigo, o dono da festa, ficou muito feliz que eu iria. O combinado era: irmos para a festa e depois eu voltaria com ele para Libres. Na minha cabeça seria um momento bom para tentar recomeçar, ver amigos antigos e esquecer um pouco o que estava acontecendo.
Ele veio de Libres de táxi até minha casa. Da minha casa até o clube são apenas duas quadras. Mas só pensava que eu tinha que contar pra ele, e teria que ser ao vivo, não era o tipo de coisa para contar por mensagem. Se levássemos isso para um outro nível e eu não contasse, me sentiria um lixo. Mais ainda.
Eu não conseguia interagir muito com ele. Eu acho que a preocupação de contar pra ele tomou conta de meus pensamentos e nada desenvolvia. Durante a festa diversas vezes pensei em contar, mas eu congelava. Passei uma noite toda brigando comigo. Ele obviamente percebeu que algo estava errado.
Bom, chegou a hora. Ele me convidou para ir embora. “Vamos até minha casa e esperar o táxi na frente”, falei. O táxi demoraria uns 20 minutos, tempo suficiente para contar tudo para ele. Até que contei. Gago. Sem olhar em seus olhos. Ele me disse depois de um longo suspiro: “bom Léo, eu já tive um relacionamento de anos com um soropositivo. É algo complicado”. Nisso chegou o táxi. “Mas te agradeço por ser verdadeiro comigo e me falar”, ele completou, apertou a minha mão e disse “depois conversamos mais”. Foi embora.
Voltei pra casa.... Fui até a sacada, acendi uns três cigarros sem intervalo.... Fumei, chorei. Pensava comigo: “idiota, o que te fez pensar que ele aceitaria isso?”. Foi um misto de ódio, pesar e tristeza. Uma rejeição não pelo que sou, mas pelo que eu tenho.
Semanas depois ele me mandou uma mensagem no Facebook dizendo: “te devo uma conversa”. “Quando quiser”, respondi. Nunca mais nos falamos.

Continua...

quarta-feira, 15 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #7: O HIV ME MOSTROU MAIS DO QUE EU PODERIA IMAGINAR

PARTE 19 - VAI ROLAR A FESTA
Bom, eu não sei como será recebido esse texto agora, porém fez parte do meu tratamento e envolve outras pessoas, obviamente todo mundo vai identificar quem são, mas não darei nomes aos bois.
Pois bem, em 2013 teve a 4ª edição de uma festa muito movimentada aqui da cidade, o aniversário de alguém muito conhecido. Durante os prévios três anos, eu fui um dos organizadores do evento e fiz a arte de todo material gráfico. Em tempo, na verdade eu fazia toda arte para ele, mesmo que não fosse para a festa. Como era um amigo muito querido, então eu fazia por trocas de favores e eventualmente ele me pagava. Eu nunca cobrei, mas ele me pagava, por consideração. Nessa mesma época eu também estava saindo de um grupo de dança, do qual fiz parte.
Quando descobri que estava com HIV, as coisas não estavam claras, meu futuro incerto e eu tomei uma decisão: sair do grupo e parar de fazer coisas que me desgastavam que não eram realmente meu trabalho. Quem me conhece sabe da minha paixão pela educação física, porém, me sentia obrigado a trabalhar com outras atividades no meu horário de descanso. Além disso, eu estava com mil coisas na cabeça e não estava com criatividade disponível para trabalhos que precisavam dela. Eu inventei uma desculpa, disse que estava com síndrome do pânico. A minha professora de ballet compreendeu e me ofereceu ajuda. Eu recusei é claro, já que na realidade era mentira. O meu amigo por outro lado não compreendeu muito.
O dia da festa já estava por chegar e eu já tinha dito não mais de mil vezes não somente para fazer trabalhos, mas como participar da organização. Eu também tinha dito que possivelmente não iria na festa. Se coloquem no meu lugar: você descobre que tem HIV, está fazendo inúmeras baterias de exames, está prestes a verificar seu CD4 e Carga Viral... por mais que eu não estivesse depressivo, eu não estava em clima de festa. Não tinha como, era muito recente.
PARTE 20 - ACONTECE
Chegou o dia de fazer meu exame de CD4 e Carga Viral. Esses exames acontecem aqui sempre nas quintas, pela manhã. É feita uma coleta no Posto de Saúde Central e o material coletado é enviado para Santa Maria - RS. Demora aproximadamente 20 dias até sair o resultado. Como eu dava aula de hidroginástica logo pela manhã, às 8h e outra às 9h, eu teria que ver alguém que pudesse me substituir. Consegui um colega e paguei para ele para dar a minha primeira aula.
Dias antes, no Posto de Saúde, a assistente social me avisou que no meu caso, se eu não me importasse, eu poderia fazer a coleta em um laboratório particular e levar o sangue coletado até o Posto. Mas tem ser imediatamente. Esse procedimento não é habitual, mas me foi oferecido pelo fato dela conhecer meus horários e saber que como autônomo, isso me prejudicaria sem necessidade. Foi o que fiz. Mesmo assim, quase me atrasei para a turma das 9h.
Como a academia fica quadras da minha casa, eu saí e fui embora a pé assim que terminei minha aula. No caminho o meu amigo, dono da festa, me buzinou e parou o carro. “E ai, está mais tranquilo?”, ele disse. Eu respondi que estava tudo numa boa. “Ficarei muito triste se não for na minha festa, não vou perdoar”, mas eu insisti dizendo que não estava em condições no momento, que devido aos meus problemas eu estava tomando remédios que não me deixavam beber, etc. Mas o papo continuava. A insistência da parte dele continuava. E eu na negativa... Eu só pensava: “que raios a pessoa não consegue entender que a outra não está bem”.
Então veio a pergunta: “mas o que você tem afinal?”
A resposta foi vomitada junto com um choro de raiva entalado: “quer saber o que eu tenho? Eu tenho HIV, é isso que eu tenho! Tá tudo uma bosta, eu vivo dentro daquele Centro de Saúde, não paro de fazer exames e não sei o que vai acontecer comigo, estou tomando uma penca de remédios para esses furúnculos e com uma infecção no pulmão... então não estou com clima de festa entende? Eu não aguento mais....”
Claro que o que comecei com raiva acabei desabando em choro debruçado no vidro da janela do carro.
Ele me disse com os olhos arregalados balançando a cabeça: “não, tu não”.
Depois de um silêncio de uns dois minutos, ele foi trabalhar, disse que me compreendia, mas que deixaria dois ingressos VIP’s caso eu mudasse de ideia. “Te cuida”, e foi embora.
A amizade é interessante. Não estou cobrando nada deste amigo. Mas não tinha como não perceber que antes da minha confissão nos víamos praticamente toda semana e depois dela nós vimos 5 vezes no máximo até o dia de hoje, todas por acaso.
Ele nunca me mandou uma mensagem me perguntando como estava meu tratamento, nunca me perguntou se eu estava bem ou se precisava de algo.
Minto, uma semana depois da minha confissão, ele me chamou me perguntando como eu estava e logo depois pediu a arte original da festa para ele passar para outra pessoa.
Acontece... é a vida. Não guardo mágoas. Não julgo.

Continua...

terça-feira, 14 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #6: AGORA MEU MEDO É O CD4

PARTE 16 - ATIVO OU PASSIVO?
Finalmente chegou o dia da minha consulta com o infectologista. 7h da manhã e minha mãe e eu já estávamos lá no Centro de Saúde esperando o médico. Não só nós, mais uma galera junto. Como ele é um infectologista, nem todos seus pacientes são soropositivos, mas grande parte sim. Nós temos preferência de atendimento.... O que nos gera eventualmente uma situação de constrangimento quando dos chamam para saber a ordem que seremos atendidos. “Ah, você é do COAS”. Logo todos deduzem que você é portador do HIV.
Depois de muita espera e um pouco de atraso - mas não tanto como na UNIMED, eu entrei na sala do doutor. Entrei sozinho desta vez. Respondi uma série de perguntas, algumas do tipo, “você foi o ativo ou o passivo?”. É estranho... Muito estranho, mas necessário. Afinal, são esses dados que revelam os índices que lemos e tomamos conhecimento.
Estranhamente o médico me orientou a manter em segredo. Segundo ele o preconceito com soropositivos é muito grande. Eu entendi a mensagem que ele quis passar mas achei um tanto inoportuno, ainda mais lembrando disso hoje. O fato é que isso é uma decisão muito pessoal.
PARTE 17 - TUDO PELO SUS
Como já poderia imaginar, o médico me indicou uma série exames de sangue, raio-x do tórax, etc... Tudo pelo SUS. Então logo já comecei a marcar as datas: os de sangue, que eram muitos, seriam na próxima quarta, muito cedo da manhã; o exame do raio-x na Santa Casa, pela tarde.
Nos exames de sangue eu fui sozinho... Cheguei no posto praticamente 7h da manhã e quase não peguei ficha. Deveria ter ido mais cedo. Fui ser atendido às 10h30. Tive que inclusive cancelar uma aula de Personal Trainer que eu tinha às 10h. Nesse dia também tinha que levar o material coletado para o exame de fezes e urina. Pode parecer bobagem, sei que é, mas eles podiam ter mais cuidado com o material coletado. Eles pegam seu material na frente de uma multidão, deixam suas fezes em cima do balcão e seguem te perguntando coisas. Mas tirando essa situação, foi tudo tranquilo. No mesmo dia pela tarde o raio-x também. Demorado, mas tranquilo. Na verdade dormi na sala de espera e minha mãe me chamou na hora.
PARTE 18 - AMIGOS DO COAS
Eu teria que voltar para a consulta quando tivesse todos meus exames prontos. Então esperei alguns dias e retirei meus exames de sangue, fezes, etc. O de raio-x foi um parto. Fiquei mais de semana indo retirar diariamente e nunca estava lá segundo a atendente. Ela chegou inclusive a me mandar perguntar na Santa Casa - os resultados são pegos no Centro de Saúde. Acreditam que todo o tempo que ia lá pedir o meu raio-x ele estava lá? Tive que mentir que fui na Santa Casa para a menina procurar melhor e achar o resultado.
Nesse meio tempo comecei a conhecer melhor o pessoal do COAS e identificar rostos já familiares no Posto de Saúde. Na entrada já tinha um ex-namorado, no COAS quem me fez o teste de tuberculose foi uma aluna de hidroginástica. Ou seja, comecei a perceber que o anonimato do vírus não duraria muito.
Com tudo em mãos, marquei novamente uma consulta com o infecto. Levei todos os resultados. Mas lá tive outra surpresa. Cadê meu exame de hepatite? Sumiu. Na verdade, não em entregaram. Eu, como vi um monte de papel, nem conferi se estava tudo lá. Mas, me comprometi de levar outro exame de hepatite - ou encontrar o desaparecido. Com tudo certo nos exames restantes, salvo algumas infecções - incluindo um princípio de infecção pulmonar leve, o médico me receitou nebulizações, alguns remédios e já marcou meu primeiro exame de CD4* e Carga Viral**, isso nortearia todo meu tratamento. Essas informações finalmente dirão como meu corpo está reagindo ao HIV e em que estágio de saúde realmente me encontro. Medo deste exame. Medo dos resultados. Medo, apenas medo.

Continua...

* CD4 - A contagem de células-T CD4 não é um exame de HIV, é mais um procedimento em que o número de células-T CD4 em um microlitro de sangue é contado em um teste laboratorial médico padrão, depois de uma retirada de sangue. Este exame não checa pela presença do HIV. Ele é usado para monitorar a função do sistema imunológico em pessoas de HIV positivo. Em tais indivíduos, a AIDS é oficialmente diagnosticada quando a contagem cai para abaixo de 200 células ou quando certas infecções oportunistas ocorrem.
**Carga Viral - Carga viral ou PCR Quantitativo para o HIV é um exame que conta indiretamente a quantidade de vírus presente no organismo através da quantificação de RNA viral presente no plasma sanguíneo. Esse processo é feito por amostragem. O ideal é que a carga viral seja sempre “indetectável”, “indeterminada”, “zero” ou próxima disso.

segunda-feira, 13 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #5: PARECIA QUE AS PESSOAS ME OLHAVAM SE DESPEDINDO

PARTE 13 - ATESTADO DE ÓBITO
Sexta-feira, depois de trabalhar pela amanhã e do almoço, eu tinha minha primeira consulta com o médico da UNIMED. Minhã mãe foi comigo. Aliás, tenho que salientar: minha mãe me acompanhou em todas consultas e atendimentos iniciais. Pediu licença do trabalho para poder me dar esse suporte.
Bom, ficamos horas e horas esperando atendimento na UNIMED. O doutor que me atendeu foi um querido. Na verdade, ele já tinha me atendido quando apresentei problemas de hipoglicemia em outra ocasião. Entrando na sala ele brincou: “Ai ai, veio com a mãe então o assunto é sério”. Enquanto eu esboçava um sorrisinho sem graça, minha mãe falou, “estamos com esse problema”, entregando meu exame.
Ele me olhou e completou: “bom meu rapaz, você sabe que alguns anos atrás isso aqui que você me trouxe era um atestado de óbito... hoje não mais”. Depois de alguns esclarecimentos, ele reforçou, “se preocupem mais com uma infecção intestinal do que com uma gripe. Uma infecção pode derrubar ele”. Além disso, ele nos indicou ir ao Centro de Saúde Central e iniciar imediatamente os procedimentos pelo SUS para combater o HIV.
PARTE 14 - OI, TENHO HIV
Saímos da UNIMED e fomos para o Centro de Saúde pedir para fazer o exame de HIV. Segundo o doutor da UNIMED, eu poderia chegar como se não soubesse do resultado e pedir para fazer o exame. Foi o que fizemos, fomos até o COAS, o departamento responsável pelo HIV no Centro. Chegando lá eu perguntei se poderia fazer um exame de HIV. A atendente nos falou que o atendimento para exames são feitos apenas pela manhã e eu deveria voltar na segunda. Então saímos da recepção frustrados. Eu olhei para minha mãe e falei: “quer saber, não vou esperar até segunda”. Voltei até o balcão e falei para a atendente: “seguinte, eu fiz esse exame em um laboratório particular e deu que eu tenho HIV, que procedimento devo seguir?”.
Acho que a atendente viu meu desespero. Pediu para eu esperar um pouco e voltou dizendo que abririam uma exceção já que eu tinha um exame em mãos. Não se pode marcar consulta antes de ter duas confirmações de reagente para HIV feitas no próprio posto. Mas naquele caso eu já tinha duas confirmações: uma do laboratório particular; a segunda que eles mesmos confirmaram em PoA; e ainda, para me deixar três vezes reagente, fiz uma no posto que confirmou o resultado.
Sem questionamentos. Sem margens de erros. Efetivamente portador do HIV.
PARTE 15 - NÃO CHORE PAI
Então fui indicado pelo COAS para fazer minha carteira do SUS e depois retornar para marcar consulta. Consegui uma consulta para a próxima segunda, bem cedo da manhã, com um infectologista. Lá ele me pediria uma bateria de exames para iniciar meu tratamento.
É importante dizer uma coisa: o tratamento contra HIV/AIDS é totalmente gratuito pelo SUS. Você pode fazer os exames em laboratórios particulares, mas os medicamentos não são comercializados. Ou seja, apenas se consegue eles pelo SUS.
Chegando em casa, minha mãe assustada com algum problema intestinal, já comprou um galão de água mineral, que agora se faz sempre presente e minha alimentação, da qual eu já era muito cuidadoso, ficou ainda mais restrita.
Meu pai, coitado, não podia me ver que chorava... ficou assim por uma semana. Minha mãe se mostrava forte e otimista, mas eu sabia que ela fazia o mesmo que ele, só que não em minha frente. Minha amiga que foi na minha casa no fim de semana me visitar também. A impressão que eu tinha era que as pessoas me olhavam como se estivessem se despedindo. Eu pensava.... “Quanto tempo a mais eu tenho afinal? Quem sabe com o tratamento eu tenha um pouco de tempo a mais....”
Continua...

domingo, 12 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #4: ACHEI QUE MORRERIA EM DOIS MESES

PARTE 10 - BOA NOITE
Depois de muito choro, abraços e promessas de apoio, era a hora de dormir. Talvez esse tenha sido o dia mais longo da minha vida. Talvez um dos piores. Como dormir? Depois de um turbilhão de emoções eu estava esgotado... Mas sem sono. Eu ainda estava muito abalado, principalmente depois de conversar com minha família.
Deitei, fechei os olhos no escuro. Então eu chorei. Chorei até dormir. Chorei tanto que nem lembro quando as lágrimas pararam. Só apaguei. Antes disso, enquanto chorava eu só pensava: “por quê??”. Eu tentava lembrar em que momento eu derrapei... em qual momento eu poderia ter contraído o HIV. Muitas dúvidas do passado, do presente (como por exemplo no que isso influenciaria minha vida efetivamente) e do futuro, afinal, na minha cabeça eu poderia morrer em dois meses. Parece piada, mas quando você recebe uma notícia dessas a primeira coisa que vem na cabeça é que você vai morrer logo.
Muitos medos também. Medo de ter que parar de trabalhar, logo em meu momento de ascensão profissional. Medo de não ver minha sobrinha que mal tinha completado um ano crescer. Medo de perder emprego, amigos, respeito de todos. Medo que todo mundo soubesse. Que eu virasse o “aidético” da vez. Medos, medos e medos.
PARTE 11 - UM NOVO DIA CHEGA
Uma boa noite de sono ajuda a regular seus pensamentos, ainda mais que no outro dia 8h eu já tinha que dar aula de hidroginástica. Aliás, tinha que dar uma às 8h e outra às 9h, além de uma aula de bike indoor as 10h30. Manhã cheia. Não dava tempo para ficar muito triste. Mas eu percebi uma coisa: eu me sentia o mesmo de terça-feira. Ou seja, seguia a mesma pessoa mesmo com o HIV dentro de mim. Isso me fez ver tudo de ângulo diferente, além de me incentivar a procurar informações sobre o vírus.
Confesso, eu era um ignorante sobre o tema. Por mais que eu volta e meia postasse material de conscientização, eu não sabia nada mais aprofundado. Era a hora de saber. Uma pena que eu tenha me dedicado depois de saber de minha sorologia, esse conhecimento poderia ter me deixado mais calmo logo de início, e talvez eu pudesse confortar melhor minha família com posições otimistas. Meu pai por exemplo, durante essa quinta-feira, não podia me olhar que chorava. Parecia mais abalado que eu pra ser sincero.
PARTE 12 - A REDE
Então, quando cheguei em casa minha mãe me avisou que tinha marcado uma consulta para mim na UNIMED. Além disso, me sentei no PC e enfrentei longas horas de pesquisa, leitura e estudo sobre o HIV. Descobri coisas que nem imaginava que existiam, como diferença entre HIV e AIDS, o que é CD4, carga viral, Efavirenz, entre outros nomes.
Mesmo assim, tudo seguia muito confuso. Eu precisava trocar ideias com outros soropositivos. Precisava saber que podia dar certo. Eu tinha que ter certeza que não seria o fim. Só poderia saber interagindo com outros. Então pensei, “se tem várias redes sociais com os mais variados temas, deve ter um sobre HIV/AIDS”. Eu estava certo, achei dois sites. O primeiro achei muito focado em amor e relacionamentos. Não era o que eu queria, aliás, o que menos pensava no momento era sobre namoro. Então achei um outro muito parecido com o Orkut, com fotos, perfil, interesses e fóruns. Bingo! Estava na rede HIV+ e um universo se abriu. Não estava mais sozinho, desta vez, dormi com esperança.
Continua...

sábado, 11 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #3: ME SENTI CULPADO PELO SOFRIMENTO DA MINHA FAMÍLIA

PARTE 7 - XEQUE-MATE
Fui trabalhar e deixei a minha irmã com a bomba nas mãos. Mas fui mais tranquilo. Sabia que mais tarde chegaria em casa e um problemão já estaria resolvido. Tinha que dar uma aula de xadrez para crianças numa escola particular. Bom, você acaba de saber que é soropositivo e o que faz? Dá uma aula de xadrez... é claro! Nada melhor para testar realmente sua capacidade de concentração. Vou ser honesto, não sei de onde tirei força. Minha vontade era sair correndo pra qualquer lugar. Mas as crianças não tinham nada que ver com meus problemas. Então quando terminou a aula, juntei o tabuleiro gigante e as peças enormes que usamos no pátio e fui para a academia. No caminho, mandei uma mensagem para um grupo no Facebook de meus amigos que carrego desde o ensino médio: “vou ser direto, estou com HIV”.
PARTE 8 - O SHOW TEM QUE CONTINUAR
Eu ainda tinha um intervalo de uma hora, então desliguei meu celular, fiz musculação e depois dei duas aulas seguidas de Bike Indoor. Tem noção? Honestamente nem eu sei como eu consegui.
Eu pedalava, gritava e tudo mais no automático. Eu acho que o meu estado de choque me fez seguir trabalhando. No intervalo de uma das aulas, enquanto eu olhava para o nada pela janela da minha sala, a secretária da academia chegou até mim. Ela tinha me visto chorando mais cedo com meu irmão ali mesmo. Me perguntou: “está tudo bem? Sabe que pode contar comigo no que precisar”. Linda... Eu nunca vou esquecer. Naquela hora contou muito.
Na turma das 21h eu tinha uma aluna que também era muito amiga. Ela me levou de volta pra casa de carona. Enquanto eu estava no carro com ela conversando, tudo parecia bem. Até o momento em que eu desci. Poucos minutos antes do carro estacionar eu liguei meu celular novamente.
PARTE 9 - O SUPORTE
Foi só eu pisar os pés fora do carro que meu celular tocou. Era uma amiga muito importante. Nesse momento fiquei sabendo que meus amigos estavam loucos tentando falar comigo. Ela falou comigo chorando: “como você está? Não vai morrer né?”
“Vai ficar tudo bem”, eu respondi. Claro que não me aguentei e chorei junto dela. Foi como um abraço em distância. Na verdade eu não sabia exatamente a resposta para ela. Eu não estava bem e não tinha certeza do meu futuro naquele momento.
Porém, para fechar a noite, eu ainda tinha que encarar o que estava tentando fugir desde cedo: meus pais. Tinha que subir as escadas e cada degrau era um gelo na barriga. Escutei meu pai dizendo, “lá vem ele”.
No que eu abri a porta lá estavam todos. Meus irmãos, meu ex-cunhado, minha sobrinha.... meus pais. Todos muitos abatidos, todos com o rosto inchado de chorar. Mas meus pais vieram até mim. Eu tinha crises compulsivas de choro e soluço. Eu sabia qual seria a reação deles no fim. O apoio incondicional, as palavras de amor. Nunca duvidei disso. Mas me acabava saber que tinha sido a causa de tanto sofrimento e medo naquele dia. Algo que eu poderia ter evitado de repente. Vai saber.

Continua...

HIV/AIDS - CONFISSÃO #2: NÃO TIVE CORAGEM DE ENCARAR MEUS PAIS

PARTE 4 - E AGORA?
Então você abre o envelope do laboratório e tem a seguinte palavra: reagente.
Eu parei, me encostei com as costas na parede e tremendo levei uma das mãos na cabeça. A outra mão segurava o resultado dos exames, dos quais eu não conseguia desviar a visão. Com frequência as pessoas me perguntam sobre como eu me senti nesse momento. É muito fácil... Sabe quando você leva um soco no estômago? Quando parece que todo o som a sua volta desaparece e você só escuta um zumbido? Tipo tevê fora do ar... Sua cabeça começa a ferver e você perde o controle da tremedeira. Então você engasga. O choro tranca na garganta.
Mas por um momento tentei me enganar. Eu pensei, vai ver “reagente” quer dizer que está tudo certo. Vou chegar em casa e verificar direitinho na internet. Foi o que eu fiz. Entrei porta a dentro depois de subir correndo as escadas. Meu ex-cunhado estava em casa, junto de meu tio. Fui direto para o meu quarto. Obviamente eles perceberam que tinha alguma coisa acontecendo.
PARTE 5 - BORA PARA A ACADEMIA?
Sentei no computador, mal conseguindo digitar e busquei no Google: “reagente HIV”.
Não é difícil de imaginar o que eu li. Então tudo que estava engasgado saiu da garganta. Eu chorei como uma criança. Me debrucei na mesa do PC e não conseguia organizar meus pensamentos. Nisso, meu ex-cunhado chegou. Assustado, ele me perguntou sobre o que tinha acontecido. Ele jamais tinha me visto daquela forma. Eu nem consegui responder, só dei o exame pra ele. Ele leu e disse: “calma, pode ter dado um erro”. Eu falei: “um erro duas vezes?” Acontece que quando meu exame deu positivo aqui na minha cidade, meu sangue foi enviado para PoA justamente para confirmação, logo eu tinha dois resultados confirmando que meu exame deu reagente para HIV.
Parei um pouco de chorar, comecei a me organizar e pensei: “sabe de uma coisa? Vou para academia treinar”. Foi o que eu fiz. Eu treinava em uma academia que ficava cerca de 6 minutos da minha casa, então cheguei rápido. Pensei que treinando eu poderia organizar melhor o que eu estava sentindo. Estava tudo muito confuso ainda. Muita informação. Só que chegando quem eu vejo de cara? Meu irmão.
Então chamei ele e fomos para uma sala que estava vazia. A cara de decepção de uma pessoa que você ama quando te olha numa situação dessas é terrível de encarar. “Mas como isso aconteceu?”, ele me perguntou. “Eu não sei”. Não sei até hoje.
PARTE 6 - CONTA PRA MIM?
Meu irmão me abraçou e disse: “bom, temos que começar o tratamento e contar para o pai e a mãe”. Ainda, ele me chamou para ir embora pra casa. A verdade é que eu não tinha condições de ficar lá.Chegando em casa fomos para meu quarto e ficamos esperando minha irmã que já estava por chegar do trabalho. Ela costumava chegar antes de minha mãe e depois ia para casa dela. Quando minha irmã chegou eu pensei, “lá vamos nós de novo”.
Minha irmã também me abraçou, chorou, perguntou se eu sabia como tinha acontecido, essas coisas. Fiquei com ela no quarto, olhei pra ela e disse: “eu queria ver tanto ela crescer”. Me referindo a minha pequena sobrinha que tinha pouco mais de uma ano. Ela me disse: “você vai ver ela crescer”.
Logo meus pais chegariam em casa. Eu tinha que contar pra eles. Mas tinha que trabalhar também. Eu dava aula às 18h, às 20h e às 21h. Eu não teria condições de ter essa conversa com eles e ir trabalhar simplesmente. Também, muito menos queria ver a cara e a reação dos meus pais ao receberem essa informação. Seria demais para mim, especialmente naquele momento. Então pedi para minha irmã contar para mim. Assim, quando eu chegasse em casa, depois das 22h, eles já teriam recebido e digerido a notícia. Seria mais fácil para mim, e para eles também. Pelo menos pensei assim naquele dia.

Continua...

HIV/AIDS

Lista de links importantes com informações esclarecedoras, técnicas e claras sobre HIV/AIDS.

PORTAL DA SAÚDE

AS CONFISSÕES

CONFISSÃO #1 - SEMPRE TIVE MEDO DO HIV

CONFISSÃO #2 - NÃO TIVE CORAGEM DE ENCARAR MEUS PAIS

CONFISSÃO #3 - ME SENTI CULPADO PELO SOFRIMENTO DA MINHA FAMÍLIA

CONFISSÃO #4 - ACHEI QUE MORRERIA EM DOIS MESES

CONFISSÃO #5 - PARECIA QUE AS PESSOAS ME OLHAVAM SE DESPEDINDO

CONFISSÃO #6 - AGORA MEU MEDO É O CD4

CONFISSÃO #7 - O HIV ME MOSTROU MAIS DO QUE EU PODERIA IMAGINAR

CONFISSÃO #8 - O NÃO DO AMOR DÓI MUITO

CONFISSÃO #9 - ELA SALVOU MINHA VIDA

CONFISSÃO #10 - DECIDI COMEÇAR O TRATAMENTO MESMO SEM PRECISAR

CONFISSÃO #11 - POR UM MINUTO PENSEI EM DESISTIR

CONFISSÃO #12 - EU SABIA QUE MINHA SOROLOGIA NÃO SERIA SEGREDO

CONFISSÃO #13 - EU ME SENTIA SUJO

CONFISSÃO #14 - EU PERDI MINHA FÉ NO AMOR

CONFISSÃO #15 - MESMO CHEIO DE AMIGOS, ME SENTIA SOZINHO

CONFISSÃO #16 - O HIV ESTAVA SE TORNANDO MEU MENOR PROBLEMA

CONFISSÃO #17 - É SEMPRE BOM CONTAR COM QUEM AMAMOS

CONFISSÃO #18 - EU PERCEBI QUE FALAR SOBRE HIV AJUDARIA OUTRAS PESSOAS

CONFISSÃO #19 - NENHUMA DECISÃO FOI MELHOR QUE ABRIR MINHA SOROLOGIA PARA OS LGBT'S

CONFISSÃO #20 - APRENDI QUE MINHA SOROLOGIA NÃO PODE DEFINIR MEU AMOR

CONFISSÃO #21 - É HORRÍVEL QUANDO ALGUÉM MORRE DEVIDO AO MESMO PROBLEMA QUE VOCÊ TEM

CONFISSÃO #22 - EU TENHO MEDO DE NÃO PASSAR DO INVERNO

CONFISSÃO #23 - TENHO MUITO DO QUE AGRADECER AO HIV

CONFISSÃO #24 - JÁ ME PEDIRAM DINHEIRO POR SEXO POR CONTA DO HIV

CONFISSÃO #25 - JÁ RECEBI OFENSAS ANÔNIMAS

CONFISSÃO #26 - NUNCA TIVE A INTENÇÃO DE FAZER NINGUÉM SOFRER

CONFISSÃO #27 - TIVE MEDO DE TER PROBLEMAS NO TRABALHO

CONFISSÃO #28 - APRENDI COMO VIVER COM O HIV


CONFISSÃO ESPECIAL - EU AMO A MINHA MÃE

HIV/AIDS - CONFISSÃO #1: SEMPRE TIVE MEDO DO HIV

PARTE 1 - 1996
Meu nome é Leonardo, vocês podem me chamar de Léo. Eu sou um homem homossexual dos anos ‘80... Nascido em 1982. Não acompanhei com real noção a peste na comunidade gay com o surgimento do HIV/AIDS... Porém, como adolescente dos anos ‘90, presenciei a morte de ídolos e celebridades em decorrência do HIV/AIDS.
Pouco se sabia realmente sobre o vírus. Sabíamos que era um vírus fatal, que se espalhava principalmente com sexo gay desprotegido e compartilhamento de seringas. Nas aulas de educação sexual pouco se falava além do muito básico. Eu tinha medo, confesso. No decorrer da minha vida eu sempre pensei que o maior medo de um homem gay era ser contaminado com HIV, mas todos sabíamos que as chances disso acontecer eram grandíssimas. Sabe, é o tipo de sensação como: sabemos que vamos morrer um dia, só não sabemos quando.
Isso ficou muito claro quando olhei um filme muito significativo sobre esse tema em 1996.... Inclusive um dos primeiros com temática LGBT que vi na vida. “Filadélfia” veio pra mim logo após as mortes de Cazuza, Freddie Mercury e Renato Russo. A sensação de tristeza e medo era inevitável. Sabemos que muitas vezes a arte imita a vida, ou vice-versa.
PARTE 2 - O SURTO
Início de 2013, eu há pouco tinha completado 31 anos. Tinha acabado de modelar para umas fotos de um trabalho publicitário para uma empresa local da minha cidade. No mesmo dia aproveitei para fazer um book fotográfico novo. Para isso, precisei me depilar. Como não consigo me adaptar com depilação em cera, usei a gilete mesmo. Afinal, era só para algumas fotos.
Eu nem podia imaginar que uma fotógrafa, depois de ver o resultado dos dois trabalhos, logo no outro dia pediu para eu posar para suas lentes. Porém, teria que ser no outro dia. Logo, dois dias após as primeiras fotos. Como meus pelos estavam começando a crescer, eu decidi depilar novamente com a gilete.... O que me rendeu pequenas feridas na pele.
Algumas fotos foram feitas dentro do rio da minha cidade. Pronto: pouco tempo depois fui invadido por um surto de furúnculos pelo meu corpo. Ao todo, no decorrer do ano, foram 11. Os dois primeiros saíram um no meu dedo indicador da mão direita e o outro no braço esquerdo, perto da axila.
Quando eu estava já perto do nono furúnculo, decidi fazer uma bateria de exames de sangue. Algo estava errado. Fiz o hemograma completo em uma clínica particular. Quando saí de lá e cheguei em casa pensei: “vou pedir para acrescentar HIV no exame”. Então liguei para o laboratório, perguntei se não tinha problema e se o sangue era suficiente. Como a atendente disse que era, pedi a inclusão do exame de HIV.
PARTE 3 - REAGENTE
Fiz os exames no dia 16 de setembro de 2013. Pela manhã. No mesmo dia, pelas 18h o resultado deveria estar em minhas mãos. Foi então que lá pelas 16h a atendente da clínica me liga com uma desculpa um pouco estranha: “senhor, gostaria de avisar que hoje seus exames estão prontos, apenas o de HIV não aprontou e tivemos que enviar para outra cidade, mas não se preocupe, é apenas um procedimento padrão”.
Posso dizer? Neste momento pensei: “me fodi”.
Logo após pegar meu hemograma, sem o resultado do HIV, eu percebi que tudo estava perfeito, com exceção dos meus linfócitos, que estavam alterados. Juntando o resultado do hemograma + o fato do HIV que é um teste rápido não vir junto, eu já estava me preparando para um resultado que poderia mudar minha vida. Segundo a atendente, o resultado do meu exame de HIV deveria vir dia 18 de setembro, mas para minha infelicidade e aflição, ele chegou apenas dia 25 de setembro, uma semana e meia depois.
No dia 25, liguei cedo da manhã para a clínica e pedi: “por favor, eu preciso saber desse resultado, já estou ficando louco com tanta demora, eu sei que podem mandar por e-mail exames hoje em dia, eu vou na clínica, pago o exame de HIV e recebo por mail, não pode ser?”
Durante a tarde recebi um telefonema: “senhor, estamos com seu resultado em mãos”. Fui correndo para a clínica, que fica uma quadra da minha casa, para retirar o exame. Paguei e fiquei com o envelope fechado até sair do laboratório. Fui escutando nos fones de ouvido “Roar” da cantora Katy Perry, que tem uma mensagem de luta e força, e quando cheguei na calçada abri o envelope: “reagente”.

Continua...