domingo, 14 de maio de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO ESPECIAL: EU AMO MINHA MÃE

PARTE 1: CURSO NATURAL
O curso natural é sempre os pais partirem antes dos filhos. Os filhos passam uma vida preparados para o que será o momento mais doloroso de suas vidas: perder seus pais. Nós crescemos e as pessoas que amamos partem... Infelizmente é assim que funciona. Aos poucos vamos perdendo nossos avós, tios e em determinado momento nossos pais. Esse é o clico da vida.
Em setembro de 2013 a minha mãe recebeu uma notícia devastadora. Eu, Leonardo, me encontrei portador do HIV. Eu estava começando a andar contra o ciclo natural da vida. Minha mãe se viu na posição de que existe uma possibilidade de eu partir antes. Pais nunca estão preparados para ter essa notícia. Pais nunca estão preparados para enterrar um filho. Pais estão preparados para ver eles crescerem e terem certeza que tudo deu certo, que todos gozam de saúde e que fizeram o máximo que puderam para colaborar com isso.
PARTE 2: UMA MENINA
Minha mãe ficou grávida de mim ainda muito nova. Tinha 18 anos quando eu nasci, dia 19 de janeiro de 1982. Ela passou por todo o tipo de preconceito quando nova, na escola, com amigos, pais de amigos.... Em 1982 uma jovem solteira ficar grávida ainda não era normal como hoje. A sociedade era cruel com quem não correspondia as expectativas daquele tempo. Ela se casou comigo na barriga, de azul bebê. Ela abdicou de muita coisa por mim. Esse foi o início de nossa família.
Eu acredito que de repente possa ter sido um tanto quanto frustrante ver todo esse sacrifício e passar por todo esse preconceito e logo depois perceber que o seu filho era gay. Mas ela foi um pilar firme e forte para mim e para minha sexualidade. Aprendeu junto comigo e se despiu de seus preconceitos por amor. Ela é toda amor. Ela é toda doação e foi assim desde antes de eu nascer.
PARTE 3 - A LUTA
Eu sei que eu causei muita preocupação pela minha sexualidade. Sei que as vezes minhas atitudes ainda a preocupam. Seja por minha maneira de vestir, pelo cabelo colorido ou pela minha franqueza que frequentemente choca as pessoas. Ela porém, se permite desconstruir junto comigo.
Eu ainda não a vi chorar desde que soube de minha sorologia... Mas eu sei que muitas vezes o fez. Eu não vi ela chorar pelo fato de que até nesses momentos ela pensa em mim primeiro. Ela sempre se mantém otimista. Ela me dá todo o suporte para não interrompermos esse curso natural da vida e se tenho forças para seguir em frente diariamente, devo muito disso a ela.
Ela me acompanha nas consultas, ela sabe de todos meus exames, ela leva meu sangue coletado para o COAS. Minha mãe não tem HIV mas acaba sendo tão portadora quanto eu, ela luta contra ele tanto quando eu, porque ela é a pessoa que mais me quer vivo. Ela só quer me ver bem. Enfim, eu amo minha mãe.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #15: MESMO CHEIO DE AMIGOS, ME SENTIA SOZINHO

PARTE 37 - É VERDADE
Meu nome estava na boca do povo, e não apenas do povo LGBT. Já estava sabendo que os boatos de que eu sou portador do HIV frequentava as rodas de conversas héteros. Nos aplicativos, aqueles de pegação, os meninos já me chamavam perguntando: “é verdade que você tá com a tia?”. Tia para quem não sabe é como chamamos o HIV dentro do meio LGBT. Sempre que eu perguntava de onde tinha saído a fofoca vinha o mesmo nome. Aquele mesmo rapaz que me causou tanta dor de cabeça. O motivo para tanta fofoca? Não sei até hoje. Mas conhecendo um pouco mais da fama do mesmo com o tempo, percebi que ele gosta mesmo de fazer polêmicas. Tem gente que se sente bem com isso mesmo. Imagine o drama que seria uma história de um pobre gay trabalhador discreto e de boa família que foi infectado por um gay sem escrúpulos. Rende uma boa história, não acham?
O fato é que eu tinha que decidir. Ou negava até a morte, ou assumia pelo menos no meio LGBT. Foi então que entrei nas minhas contas dos aplicativos como Grindr, Hornet e Scruff, e em todas coloquei: soropositivo.
Pronto. Ninguém precisava mais falar pelas costas. Ninguém precisava mais contar como se eu estivesse escondendo. Como se fosse algo do qual eu me envergonhasse. Agora, eu estava oficialmente assumindo minha sorologia. Se alguém fosse repassar fofoca não seria mais novidade. Seria tipo: “HIV? Ah, eu já sei, ele mesmo disse que tem”.
No fim, me fizeram um grande favor. Agora eu não precisaria mais iniciar um relacionamento com alguém e me preocupar com o momento de contar sobre minha sorologia. Quem se aproximasse, saberia de antemão da minha condição. Isso evitaria toda aquela pressão e a situação da qual eu não estava mais disposto. Não queria mais me envolver com alguém e esperar o momento de levar um pé.
É bem verdade que depois dessa atitude muita coisa mudou. Em um exemplo bem prático: antes disso, eu tinha cerca de dez mensagens por dia no Grindr; depois disso, passei a ter uma mensagem a cada dez dias. Mas sempre achei melhor assim.
PARTE 38 - SOZINHO
Nessa época com tudo que estava acontecendo, eu excluí minha conta do Facebook. Não aguentava mais as pessoas me chamando e me perguntando se era verdade ou mentira. Por isso, deletei minha conta e fiz um perfil novo, onde inicialmente adicionei apenas minha família e alguns amigos bem próximos.
Eu precisava deste tempo para uma renovação e ganhar forças. Eu fiquei um pouco abalado ao ver todo mundo comentando sobre minha intimidade. Eu sempre soube que em algum momento eu abriria as portas deste segundo armário. Mas eu precisava processar as coisas, por etapas. Assim de golpe, tudo de uma vez, me pegou de surpresa.
Eu também tinha muito receio de abrir sobre minha sorologia para algumas pessoas da minha família, como meus avós, por exemplo. Principalmente minha avó. Eles já tinham mais de 70 anos e minha avó é aquele tipo de pessoa que fica surtada se um de nós está gripado. Imagine então um neto portador do HIV. Tinha medo de sua reação.
Foi quando decidi que tinha que começar a abrir para mais pessoas. Aquelas que eu sabia que não tinham acesso aos aplicativos de pegação. Por mais que algumas já tivessem escutado os boatos, não tinham minha confirmação.
No meio disto tudo eu resolvi ir na minha primeira festa depois de iniciar o medicamento. Uma festa daqui feita para o povo LGBT. Já estava mais confortável com o tratamento e não passava tão mal. Eu fui. No início me senti estranho, mas logo esqueci de tudo. Bebi, algo que não fazia faz tempo. Meu infectologista tinha sido bem claro para eu beber apenas em situações especiais. Me parecia um momento especial. Estava com amigos, celebrando a vida. Dançando e me divertindo. Já tinha esquecido como era tudo isso.
Um ex-namorado do qual eu guardo muito carinho estava lá. Na verdade ficamos dançando juntos quase que o tempo todo. Ele veio me abraçar. Já sabia da minha sorologia. Quando eu percebo ele estava quase chorando. Eu disse: “cabeça, calma, não vou morrer, tá tudo certo”. É engraçado como continuamos nos entendendo só no olhar. Ele foi um namorado muito especial, hoje é um amigo muito especial e parece que depois da minha sorologia nossa ligação ficou ainda mais forte.
Bom, tudo estava indo muito bem. Até eu resolver tomar o Efavirenz. Em poucos minutos eu estava surtando. Como se estivesse ligado em 220. A mistura de euforia com o remédio me deixou a mil. Quando percebi, estava beijando uma menina. Já estava ficando fora de controle. Tinha um menino soropositivo lá, do qual eu tinha me relacionado em 2001. Em um determinado momento eu lembro de ir falar com ele e tentar roubar um beijo.
A loka! Você fica com todo mundo, até com mulher você fica. O HIV mudou você? Você não é mais o mesmo Léo, aquele Léo morreu”. Nesse momento toda a euforia se quebrou. Aquelas palavras entraram fundo. Fui para um canto da festa e chorei de raiva. De raiva do que estava acontecendo na minha vida, de raiva das minhas atitudes na festa, de raiva por ter perdido toda inocência que um dia eu tive. Aquele Léo, que um dia pensava que iria se casar e ter um apartamento com copos coloridos, não existia mais. Foi quando aquela sensação de sujeira novamente tomou conta de mim. Tentei desabafar com um amigo e ele me disse: “podemos falar sobre isso outro dia, pra não estragar a vibe da festa..... Tem 10 aí pra ceva?”.
Sentei lá mesmo na festa, analisando as pessoas dançando, beijando e me percebi sozinho. Assim fui embora, assim fui dormir... assim chorei naquela noite deitado em minha cama. Sozinho.

Continua...