quinta-feira, 29 de junho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #17: É SEMPRE BOM CONTAR COM QUEM AMAMOS

PARTE 41 - SORODISCORDANTES
Numa coisa eu estava tranquilo. Teoricamente não precisava mais conhecer alguém e entrar em pânico para contar sobre minha sorologia. Agora, quando alguém se aproximasse por meio dos aplicativos tipo Grindr, Scruff e Hornet já saberia tudo de antemão. Mas até para mim foi um pouco entranho quando poucos dias depois da minha atualização de status recebi uma mensagem de um rapaz.
Eu sabia que ele estava solteiro faz pouco tempo e seu ex-namorado também era soropositivo. Mas não sabia nada sobre ele. Como tinha sido a primeira pessoa que me chamou após eu abrir sobre minha sorologia eu perguntei: “você leu bem o meu perfil?”. Ele respondeu que sim, e ainda reafirmou o que eu já sabia sobre seu relacionamento anterior, assim como confirmou que não se importava com isso, mesmo não sendo portador do HIV.
Então conversamos alguns dias até que finalmente um dia saímos para conversar. Conversamos apenas. Fomos realmente ficar quase uma semana depois. Numa esquina, se escondendo de olhares. Foi divertido. E assim seguimos, por quase um mês. Saímos juntos, festas, restaurantes, dormir de conchinha.... Essa coisas que eu achei que jamais teria com um sorodiscordante*.
Ele me buscava na academia, ia até minha casa.. Eu posava com ele quando ele ficava só. Mas um dia terminamos. Por algum motivo ele não quis mais. Eu fiquei um pouco chateado, mesmo não estando 100% contente de como estávamos nos últimos dias. Pensava que seria quase impossível achar outro cara que não fosse portador e aceitasse a situação assim, tranquilamente.
Mas eu fiquei ainda mais chateado na semana seguinte, quando descobri que ele também era soropositivo. Fiquei decepcionado por ter sido tão aberto e transparente e ele ter escondido sua sorologia de mim. Nem sei se ele sabe que eu descobri que ele também é portador como eu, que já faz o tratamento e tudo mais. Fiquei um pouco frustrado por ter percebido que ele só se aproximou por ser soropositivo também.... Logo toda aquela fé em um relacionamento sorodiscordante se desmanchou. Era mentira. O motivo dele ter escondido de mim enquanto fui tão aberto? Não sei, de repente as pessoas estão tão acostumadas com mentiras que a verdade não parece mais ser necessária. Uma pena.
PARTE 42 - DINDA
Eu tinha já na minha cabeça que no momento que abri sobre minha sorologia no meio LGBT, seria uma passo para começar a respingar entre héteros. Logo, não seria difícil chegar na minha família. Então chegava o momento de eu contar para pessoas que considero importantes e precisavam saber, por mim primeiro.
Eu não tenho mais minhas madrinhas. Um faleceu quando eu tinha 2 anos e a outra quando eu tinha 4. Ambas eram irmãs, tias de minha mãe, e tombaram após uma luta contra o câncer. Sei que eram ótimas pessoas, mas com o tempo, sentindo a falta de uma dinda, eu me apropriei de outra.
Minha irmã tem uma madrinha que eu sou apaixonado, irmã de minha mãe. Não demorou muito para eu pegar ela como minha dinda também. É a dinda que eu escolhi, não desmerecendo as outras que a vida me tirou.
Com todo o respeito e admiração que tenho por ela, ela teria que ser a próxima que eu queria abrir sobre minha sorologia. Pelo fato de eu achar que ela merecia saber, por saber que ela gosta muito de mim e por saber que ela ficaria muito triste se soubesse por outros.
Em um belo domingo, minha irmã, minha sobrinha, nossa dinda e eu saímos para passear pela praça da cidade. Nisso o assunto chegou. Ela percebeu que eu parecia cansado ultimamente. Com muito sono. Ela estava presente diversas vezes que eu estava medicado. Ela deu a deixa. Então eu contei. “Mimoso! Pobrezinho, está doente”. Eu a acalmei, falei sobre meu tratamento, que estava cancelando algumas turmas de bike indoor, que meus exames estavam ótimos. Ela, tentou me confortar. “Hoje em dia não é nada grave”, disse.
Eu fiquei tranquilo, senti ela tranquila também. Achei que tinha sido mais fácil do que eu imaginava. Quando estávamos voltando pra casa, eu seguiria para outro lado. Uma amiga nos encontrou na esquina e ficou conversando com minha irmã. Nesse momento, minha dinda ficou parada me olhando fixo. Sua boca começou a temer e ela me abraçou chorando. “Mimoso, tu tem que te cuidar, tu trabalha muito”. Confesso que me assustei um pouco na hora. Nunca tinha visto ela chorando em toda minha vida.
Foi então que eu percebi que não seria assim tão fácil contar para minha família. Por um lado é confortante a preocupação. Sabemos que sentem essa tristeza por amor. Por outro lado não gostamos de ver pessoas que amamos chorando. Ainda mais por nossa culpa. Ela ficou praticamente uma semana me ligando umas duas vezes por dia, perguntando como eu estava, mandando mensagens. Acho que agora ele viu que está tudo caminhando para um tratamento de sucesso e não fica mais tão preocupada. Linda. Não é por acaso que eu amo ela muito.

Continua...

* Sorodiscordante - Se diz sorodiscordante quando existe um relacionamento entre uma pessoa portadora de HIV e uma pessoa que não é portadora do vírus.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #16: O HIV ESTAVA SE TORNANDO MEU MENOR PROBLEMA

PARTE 39 - EU NÃO SEI
Eu sou do tipo que tem ressaca moral. Que após uma festa sempre fica pensando se passou dos limites ou fez algo que poderia se arrepender. Depois desta última festa eu estava assim. Pensando sobre minhas atitudes. Sobre misturar remédios com bebida. Chamar a atenção. Essas coisas. Sobre os atos de meus amigos. Sobre o que eles me falaram. Nessas horas que consigo refletir melhor. Por isso normalmente após festas, não costumo sair. Fico em casa colocando os pensamentos em ordem.
Esse momento reflexivo é um perfeito momento para conversas e debates. É quando estou mais sensível e consigo ver um pouco além do que costumo. Por outro lado, é também um momento que posso me abrir de mais, falar de mais e me arrepender.
Justamente num momento como esse que resolvi atender um chamado de mensagem do Facebook de uma amiga. Ela estava passando por um momento ruim e precisava desabafar. Eu fui todo ouvidos. Para mostrar para ela que todos temos nossos problemas, contei para ela sobre minha sorologia. Segundo ela, esse fato não era novidade, já tinha escutado murmurinhos sobre o assunto.
Ela me fez uma pergunta que todos costumam fazer: “sabe de quem você pegou?”. Minha resposta foi a mesma de sempre: “Não”. De fato, até hoje não sei como contraí o vírus. Ela refez a pergunta: “não lembra de nenhuma situação de risco?”. Eu me senti confortável para responder, já que estávamos em um clima de confissões mútuas. Então contei que no início de 2013, por duas vezes no intervalo de uma semana, durante o ato sexual eu tive camisinhas estouradas e só percebi no final. Essas duas vezes com a mesma pessoa.
Pode parecer óbvio para muitos. “Então claro que você pegou do fulano”. Não. Eu nunca diria isso. A única coisa que falei, em um momento de desabafo era que tive duas situações de risco com a mesma pessoa. Esse menino, do qual eu era apaixonado, já não morava na cidade. Segundo essa minha amiga, ele teria saído da cidade por descobrir ser portador do HIV. Claro que depois dessa afirmação dela eu concluí: “bom, se é assim, tudo se encaixa”. Mas ainda sim reforcei dizendo que não tínhamos como afirmar nada.... Eu poderia ter transmitido pra ele. Eu poderia ter adquirido em um sexo oral, do qual infelizmente e de forma imprudente praticamente ninguém usa camisinha. Eu poderia ter pego de um ex-namorado. Ou seja, seria leviano demais da minha parte dizer que esse menino é portador do HIV ou pior, que ele foi o meu transmissor.
PARTE 40 - MINHA CULPA
Claro que nossa conversa deveria ter morrido entre nós. É o que se espera entre amigos. Poucos dias eu recebi uma mensagem também via Facebook. Era ele. Dia 10 de outubro de 2014.
“Que historia é essa que tu anda espalhando? Que tu anda dizendo que tá com aids e que eu que te passei. Acabaram de me ligar me dizendo isso. Que tu tava espalhando pra todo Uruguaiana isso. E que tava fazendo tratamento no SUS.”
Eu fiquei em choque. Por vários motivos. O primeiro era que tudo o que eu tinha dito tinha sido distorcido propositalmente. Segundo, era que quem tinha feito a fofoca toda seria supostamente uma amiga, que eu justamente estava ajudando a sair de uma fase ruim. Terceiro, fiquei muito chateado por ser algo muito sério, passível de problemas judiciais, com uma pessoa da qual eu gostava muito.
Tentei explicar, tentei justificar, tentei argumentar. Recebi isso:
“Pois é Leonardo.. já te falei e repito, não quero meu nome nesses teus xismes .. ou isso vai parar na justiça.”
No fim, a história acabou nessas mensagens mesmo. Outro dia enquanto cruzava por ele na rua em uma de suas passagem pela cidade ele me ignorou completamente. Poucos meses depois eu tive a confirmação de que ele realmente não tem HIV. E digo, fico muito feliz por ele por isso.
Depois de nossa conversa, fiquei desolado por alguns dias. Pensei em ir até essa menina que tinha aberto sobre minha confissão e tomar satisfação, mas pensei que não valia. Não valia a preocupação, o desgaste... e principalmente levar adiante essa história que estava tomando uma proporção gigante. Várias vezes após isso, quando me abri para determinado amigo eu escutava a pergunta se eu tinha realmente pego do fulano. Bom, se ele não espalhou, se eu não espalhei, não me restava muitas dúvidas de onde teria saído o boato.
Isso me fez repensar muito sobre quem são meus amigos e quem são meus conhecidos. Sobre se abrir esperando honestidade. Infelizmente nem todas as pessoas não são assim. Não consigo até hoje compreender a motivação que a levou a iniciar essa fofoca ou o que de fato ela ganhou com isso. Aliás, tento entender como ela olha nos meus olhos e sorri frequentemente. Não consigo.
Entendi que o meu problema na verdade, nem era mais o HIV. Meu problema eram as pessoas que estavam me rodeando. O vírus me fez perceber isso. Separar o joio do trigo, além de aprender a lidar com elas.
E sobre quem me passou... Se eu tenho curiosidade? Honestamente não. Isso não faz mais diferença. Agora tenho que olhar pra frente. Tenho que cuidar da minha saúde, não temos como voltar no tempo. De nada adiantaria me remoer e me culpar... Muito menos tentar achar um culpado. É tudo uma questão de ação e consequência.
Eu assumo a culpa. Eu fui o responsável. Eu não me cuidei. Eu sabia dos riscos. Eu aceito isso e olho pra frente. Apenas para frente.

Continua...