segunda-feira, 10 de julho de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #23: TENHO MUITO DO QUE AGRADECER AO HIV

PARTE 52 - PODADO
Eu sempre fui o tipo de pessoa que foi podada. Fui podado pelo meu pai. Fui podado por colegas de escola, por outros alunos do colégio. Fui podado pela sociedade. Nunca me enquadrei de fato no sistema que é considerado por muitos “normal”.
Desde muito novo eu já tinha fortes tendências homossexuais. Mesmo assim, eu era o tipo de pessoa que quando passava por um travesti de carro com meu pai, ele comentava: “esses viados tem todos que morrer”. A primeira vez que pintei meu cabelo foi um motivo para uma guerra dentro de casa.
Olhando para o passado, eu tive sorte de não ter conseguido cometer suicídio. Mesmo depois de ter tentado várias vezes e carregar no meu pulso uma discreta marca até hoje. Mesmo quase 20 anos depois. Bom, talvez se eu não tivesse feito terapia, graças a minha mãe e meus avós que perceberam que algo estava errado, provavelmente eu não estivesse aqui, contando essa história.
Entre 1996-98 eu era um dos quatro “viadinhos” do colégio. É estranho. Nem eu mesmo até certo ponto tinha sequer beijado outro menino. O que estava sendo um segredo para mim para os outros já estava escancarado. As portas do meu armário foram escancaradas pela força de quem me oprimia. Sequer me deram a oportunidade de entender o que estava acontecendo comigo.
Para todos, tudo o que eu desejava era errado. Tudo o que eu sentia era sujo. Tudo que eu fazia era motivo de chacota. Eu sempre fui podado.
PARTE 53 - OBRIGADO HIV
Foram longos anos e eu fui me transformando. Passei de um menino com claras tendências homossexuais e me tornei um jovem nerd discreto. Um cara que não aparenta. Um rapaz que pode ser gay, já que é “na dele”. Alguém que não sente de verdade e não se permite.
Uma coisa eu tenho que agradecer ao HIV. Ele me fez querer sentir novamente. Aos poucos o verdadeiro Léo voltou. Saiu do discreto casulo em que viveu por anos e anos.
Eu já vinha em um processo de liberação sexual e comportamental. Tatuagens e uma discreta militância pelos direitos LGBT’s. Mas quando recebi a notícia que em meu corpo tinha o vírus do HIV, tudo veio a tona.
Me permiti emoções, me permiti realmente sair do armário que por muito tinha voltado. Eu não podia mais ser podado, não podia deixar. Não sei quanto tempo eu realmente tenho. É uma caixa de surpresas. Tudo está muito certo mas eu sei que pode desandar. Mesmo pensando positivo e fazendo tudo para o sucesso do tratamento. Não é por acaso que estou aqui escrevendo e segundo a enfermeira do COAS meu tratamento é um dos de maior sucesso e adesão da cidade.
É a vontade de viver. Mas é a vontade de viver na íntegra. Se permitindo. Experimentando. Fazendo coisas que sempre quis fazer e não fazia por medo de aceitação. A possibilidade de partir logo me deu sede de sentir. De usufruir cada momento.
Entendi que a única aceitação que preciso é a minha comigo mesmo. Preciso aceitar minha condição sexual. Preciso aceitar minha sorologia. Preciso aceitar minhas possibilidades. Não preciso mais de aceitação dos outros. A vida pode ser ainda mais curta e não tenho mais tempo para isso.
Então o Léo aprendeu a dizer não. O Léo fez tatuagens em lugares que aparecem. O Léo colocou brincos. O Léo usou cabelo comprido. O Léo usa rosa, usa turbante e usa o que der vontade. O Léo levanta uma bandeira com as cores do arco-íris. O Léo pinta os cabelo com as mais diversas cores que der vontade. O Léo desconstrói e se liberta de amarras. O Léo voltou a ser novamente o Léo.
Não vou ser mais podado. Por isso, eu te agradeço HIV.

Continua...

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