sábado, 11 de março de 2017

HIV/AIDS - CONFISSÃO #3: ME SENTI CULPADO PELO SOFRIMENTO DA MINHA FAMÍLIA

PARTE 7 - XEQUE-MATE
Fui trabalhar e deixei a minha irmã com a bomba nas mãos. Mas fui mais tranquilo. Sabia que mais tarde chegaria em casa e um problemão já estaria resolvido. Tinha que dar uma aula de xadrez para crianças numa escola particular. Bom, você acaba de saber que é soropositivo e o que faz? Dá uma aula de xadrez... é claro! Nada melhor para testar realmente sua capacidade de concentração. Vou ser honesto, não sei de onde tirei força. Minha vontade era sair correndo pra qualquer lugar. Mas as crianças não tinham nada que ver com meus problemas. Então quando terminou a aula, juntei o tabuleiro gigante e as peças enormes que usamos no pátio e fui para a academia. No caminho, mandei uma mensagem para um grupo no Facebook de meus amigos que carrego desde o ensino médio: “vou ser direto, estou com HIV”.
PARTE 8 - O SHOW TEM QUE CONTINUAR
Eu ainda tinha um intervalo de uma hora, então desliguei meu celular, fiz musculação e depois dei duas aulas seguidas de Bike Indoor. Tem noção? Honestamente nem eu sei como eu consegui.
Eu pedalava, gritava e tudo mais no automático. Eu acho que o meu estado de choque me fez seguir trabalhando. No intervalo de uma das aulas, enquanto eu olhava para o nada pela janela da minha sala, a secretária da academia chegou até mim. Ela tinha me visto chorando mais cedo com meu irmão ali mesmo. Me perguntou: “está tudo bem? Sabe que pode contar comigo no que precisar”. Linda... Eu nunca vou esquecer. Naquela hora contou muito.
Na turma das 21h eu tinha uma aluna que também era muito amiga. Ela me levou de volta pra casa de carona. Enquanto eu estava no carro com ela conversando, tudo parecia bem. Até o momento em que eu desci. Poucos minutos antes do carro estacionar eu liguei meu celular novamente.
PARTE 9 - O SUPORTE
Foi só eu pisar os pés fora do carro que meu celular tocou. Era uma amiga muito importante. Nesse momento fiquei sabendo que meus amigos estavam loucos tentando falar comigo. Ela falou comigo chorando: “como você está? Não vai morrer né?”
“Vai ficar tudo bem”, eu respondi. Claro que não me aguentei e chorei junto dela. Foi como um abraço em distância. Na verdade eu não sabia exatamente a resposta para ela. Eu não estava bem e não tinha certeza do meu futuro naquele momento.
Porém, para fechar a noite, eu ainda tinha que encarar o que estava tentando fugir desde cedo: meus pais. Tinha que subir as escadas e cada degrau era um gelo na barriga. Escutei meu pai dizendo, “lá vem ele”.
No que eu abri a porta lá estavam todos. Meus irmãos, meu ex-cunhado, minha sobrinha.... meus pais. Todos muitos abatidos, todos com o rosto inchado de chorar. Mas meus pais vieram até mim. Eu tinha crises compulsivas de choro e soluço. Eu sabia qual seria a reação deles no fim. O apoio incondicional, as palavras de amor. Nunca duvidei disso. Mas me acabava saber que tinha sido a causa de tanto sofrimento e medo naquele dia. Algo que eu poderia ter evitado de repente. Vai saber.

Continua...

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